Com_traste

Com_traste

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Não imPorta


Como se estivesse emperrada a vontade
Nas dobradiças, o tempo que se acotovela entre passado e futuro
Sem presente liquido que a faça dobrar sem dor
E range como se num cerrar de dentes
Uivasse a força interior
Do animal que a forma ser vivo
Nunca antes uma porta se encheu tanto de vida
Nem mesmo nas traseiras de um qualquer quintal com buganvílias
Com baloiços de embalar as tardes
Ou com bancos de eternas esperas
As portas foram sempre criaturas mortas
Ligando divisões de espaços úteis e inúteis
Abrindo para saídas eufóricas
Fechando para entradas indesejadas
De par em par
Quando abandonadas à sua sorte
Mas agora
A própria fechadura
Povoada de teias de aranha
Adapta o vazio ao contorno da chave mestra
Para iludir o roubo
E dar-se a volta ao objectivo
Sem necessidade de aviso de ocupado
Deixando o ser inanimado
Bater sem que haja vento
Nem bêbado enganado
E pela fresta inferior
Que lhe tira o pé
Entram as cartas de amor
Que lê e relê
Deitando-se no hall de entrada
Sobre o tapete adormecido
Que diz sempre
Bem vindo!

Morder o vazio


Trincar os espaços entre as palavras
Com os dentes presos nas letras mudas
E engolir em seco o papel de musica
Vazio da gravidade das notas
Cantadas antes por pássaros desenhados nos teus olhos
Enrolar o corpo em dor parda
De papel de oferta desdenhada
Atando os dedos com laços de pouca vontade
Para escrever depois num cartão de visita não desejada
As palavras que se inventam quando nada se consegue dizer
Depois
Morde-se mais uma vez o vácuo
Daquele espaço de tempo de espera
Sangrando os lábios por se falhar o alvo
Enchendo os olhos com memórias
Escrever um livro apenas porque está em branco
E crescer tanto..tanto!
Que se envelhece fora de horas
E a pele solidifica o orvalho
Que vinha em madrugadas liquidas
E agora
Agora são pedras gastas
E o musgo cobre a preciosidade de outrora
Talvez assim as pedras criem raízes
E se morra como as arvores
Nas margens de estradas sem saída
Fazendo sombra aos olhos
E anoitece
Sempre à mesma hora
Apenas para o sol poder dormir

DesNorte


Quando se perdemos..de nós..de ti..de mim
O caminho pode ser qualquer um em que a porta se abra
A vontade estará no desejo de seguir viagem
De malas feitas em abandono
Onde se guarda o que resta de nós
E nos bolsos o vazio
Ao mesmo tempo o espaço por ocupar…enche a bagageira inteira
Poderá ser longe ou perto
Tanto faz
A contagem será em crescente à medida que a euforia do desconhecido
Apazigua a falta de combustível que existe
Querer arder em chama
Da voz que o imaginário povoa
E o corpo será reinventado para nos encaixar na memória
Ou não
Porque o vazio será ocupado por essa contradição
E em cada estrada
Em cada outra visão
A paisagem muda
E muda-se também o que deixámos para trás
E o desejo do desconhecido sem portagem paga
Sacia-se à borla
Ou na junção de condições idênticas
Em que o ar respirado é aparentemente puro
Sem poluição
A imagem surge outra…mais nova em nós
O som é musica que convida a dançar
E todos os sentidos se apuram
Renascendo de Norte
Morrendo a sul
E nas distâncias se encontra a orientação
Dos mapas deixados no porta luvas
Perdidos nos trates
Guardados entre fios de cabelos que envelhecem
Também eles desnorteados
E ausentes
Até um dia…ou não.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vigília


Acabam-se as tardes sem aviso prévio
E eu corro o risco de ficar assim
Presa na hora em que me penso
Ligada a um tempo que não passa
Como se o escuro lá fora fosse eterno aqui
E não importa o findar das horas
O passar do dia
Em mim anoitece sempre ao contrário
E no silencio
Quando todos dormem
Acordo num bom dia sorridente
Onde as estações não têm ordem estabelecida
E é primavera se te cheiro
Inverno quando me faltas
Se algum cão ladra ao longe
E escuto o galo madrugador
Vejo o passado das calçadas da rua ainda em pó
E um baloiço preso ao ramo da única arvore do quintal
Sendo o vento o único causador de movimento
E talvez seja outono
Porque caem todas as folhas do calendário
Neste colo que aninha os sonhos que adormecem
O frio que entra pela fresta
É o arrepio na pele quando me toco
E as tardes findam ao amanhecer do dia
E eu presa a este meu tempo
Incondicional
Sem aviso prévio…adormeço ao nascer do sol
E sonho
Com a noite em que acordaremos sendo dia

domingo, 25 de dezembro de 2011

In..satisfeita



Seduz-me
A porta aberta
Como a encruzilhada do caminho sem sinalética
A possibilidade das coisas faz de cada uma delas a prova da existência da felicidade
Quando espreitamos pela fresta
Ou quando nos quedamos no meio da estrada
É como se tivéssemos a certeza que para lá…
Depois de…
Existem prados verdes e nuvens cor de rosa
E só essa visão nos faz sorrir
E desejar não ter certeza de nada
Mesmo depois de darmos o passo decisivo em sua direcção
A infelicidade está na porta fechada atrás de nós
Na estrada de sentido único
Só podendo ser contrariada se tivermos capacidade de aceitar a nossa mortalidade
E transformar a utopia num sonho realizado
De cada vez que nos deitamos numa nuvem cor de rosa
Ou caminhamos por prados verdejantes
Como se não houvesse …amanhã.

Fumo...


Acendo um cigarro
Com a chama que ilumina o pensamento, agora
Inspiro aquele fumo ausente
Como outrora expirei presente
E pela boca encho de vazio a minha alma
Vicio de substância una
Que me mata lentamente
Mas sou eu quem sente
E não me importo de morrer assim
Em cada vez que me faltas
E fumo a pensar em ti
Lentamente
Arde o cigarro
Entre os meus lábios…a chama.

Ao Fim e ao Cabo


Ao fim e ao cabo
Naquele cais
Chega-se e parte-se constantemente
Como se a superfície fosse constante
E o ondular do mar, fosse firme e seguro piso, onde nos deixamos ficar na hora da partida
Talvez a segurança do porto seja a ilusão do horizonte
Como porto de chegada a fazer esquecer o porto de partida
E os dois existirem sempre naqueles que são de lugar nenhum
Os lenços que se agitam como um adeus até perder de vista
É apenas a saudade que nos sacode a ponta dos dedos
Num cumprimentar constante da certeza do que se sente
E os choros, infantis por vezes,
São as gaivotas que povoam o nosso imaginário
Nas lembranças que se prendem ao cais
Na esperança de quem não sabe por onde vai
E ao longe o navio que se aproxima
Trazendo mais uma vez a possibilidade de partir
Ou chegar…
Ao fim e ao cabo
Há sempre esperança …de nos tornamos autênticos portos de abrigo

Quase



A hora que demora a passar
Quando o passado ecoa
No corpo que esvazia de ti
Nos olhos que são rios
Neste canto onde só eu sei de mim
Desespera a vida
E momentaneamente enlouqueço
Parecendo que é naquela hora que quase… quase me findo
E quase… quase…ainda por findar
A hora que demora a passar
Quando o presente acontece
E eu não vejo a lógica dos tempos entrelaçados
Como se surgissem do nada
Aparições obrigatórias apenas porque respiro
E quase…quase que vivo
E o quase..quase…que acabo de matar
A hora que demora a passar
E é já futuro
E o que sonhei ainda é apenas um poema
E eu
Quase
Quase…quase improviso
E o quase quase a comandar
E a hora que demora a passar…neste quase eterno
Que finda
Que vive
Que morre em todos os poemas inacabados

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

UMbilical



As palavras escoam em espiral queda livre
Desaguando no silencio final do eco
Depois de tudo
Depois de nada
Enrosca a ilusão da óptica
No centro do ventre
Onde apenas as gotas de suor se acumulam
E nesse lago bebemos antes da seca
Armazenando a vida
Que existia em oásis apenas nos olhos
E de saliva molham-se os lábios
Entreabertos
Ressequidos
Numa passagem lenta da língua
Traduzindo o que se pensa
Para a língua universal do gesto
E nesse entendimento unem-se vontades
E corpos
Nus
Em constante mutação
Evolução desumana
Mesmo sem cama se deitam
E dormem
No centro de mim
Cortando o cordão
Que deu vida a uma outra criatura

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Já não há cartas de amor




A pena com que escrevo
Desenha a força das minhas dores em linhas rectas
A audácia do meu desejo em círculos
A doçura das palavras que não digo
Em pontos finais…
E todo o silêncio
Em horas e horas de ausência
Quando espero na página em branco…
A pena com que escrevo
Seca agora
Por não haver mais beijos molhados
E as lágrimas caírem transparentes
No coração vazio
Onde antes se enchia a pena de cor
Para que escrevesse as formas do teu corpo no meu
E em cartas de amor
Se juntassem todas as linhas que formam as palavras
Quando escritas com pena
Por não poderem ser ditas de outra forma

Haja Deus




Não sou crente
E rezo para que exista aquela hora
Em que nasce o ser supremo prometido
Da virgem
Pura e virtuosa criatura
Que em nós existe adormecida
Na espera da visão alucinada
Que conceba a força determinada
De mudar o mundo em que vivemos
E nessa crença escondida
Deitamos a consciência
Deixamos nas mãos ausentes
O presente
Do futuro que desejamos
Profanos
Seguimos libertos do pecado
Até darmos à luz…a nossa verdade
E cairá a cruz que carregamos
Num milagre tão humano
Como o parto do menino
Que nasce depois do acto
De dois corpos mortais
Em êxtase

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O fim do Verbo


Quando se afogam as palavras
Aflitas em agonia no peito
Lanço-lhe a corda
E pela mão
Puxo em frases escritas
Todo um leito
Quereriam morrer novas ainda
Talvez um suicídio eu abortara
Mas por ama-las
Só por ama-las
Mataria eu pela própria mão
E morreriam todas de outro jeito
Agora beijo-as
Na tentativa vã de reanimação
Soluço a agua
Tomo o pulso
E morrem lentamente no momento
Luto
Sem pranto feito
Já não importa
O tempo urge
Na cama as deito
Silencio
Aqui jaz
A palavra
Sem descanso
Eternamente pretérito
Num presente mais que imperfeito

..


A poesia
É a linha e o espaço
Que abriga os pássaros encantados
Na união dos cantos íntimos
Quando surge a melodia
Em acordes dedilhados com as unhas
Na pele que vibra
Sopros entre os dentes
Sobre os cabeços
Pausas na ponta da língua
Em espera

A poesia
É um bater de asas
De voo acrobático
Quando todas as coordenadas foram baralhadas
E cai na rede
A palavra
Em versos
Soletrados a medo

A poesia
É a hora H
Como bomba
Rebenta nas mãos do incauto
Deixando surgir a falta de pontualidade
De astúcia e cautela
Denegrindo a imagem que se quer manter a custo
Do reflexo social onde nos olhamos
E nesse momento
Acontece o inesperado
Surpreendes-te
Com a realidade
Do que és
Em estilhaços

A Poesia
É pura invenção
Só os loucos afirmam a sua existência
E talvez por isso
Sejam felizes
Sem terem escrito um único poema

...


No enleio
Das palavras que penso
Não digo
E escrevo
Perco-me na busca
E à deriva surjo
Boiando no leito do rio que corre sem rumo
Arrastando em minhas margens
O novelo
Do que sou
Sinto
Penso
Duvido
Talvez a única forma de fazer sentido
Seja enrolar as palavras
Como quem enrola sonhos
Polvilha-las com açúcar e canela
E degustar o momento
Em que se desenrolam entre a língua e o céu…da minha boca.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

...



Senta-te
Olha-te no vazio dos olhos fundos desse espelho
Sorri
Ou aprofunda a expressão do rosto que marcam os veios em torno dos lábios
Isso
Agora risca a sombra desse olhar
Lambuza de branco a envolvente das palavras
E no centro o rubro fingimento
Nos lábios que nada expressam de verdade
Coloca a bola no nariz
Perfeito
Nas maçãs podres do rosto
A chapada
Dando aparência ao contraste
Com as mãos
Essas mãos que agarram sem grande convicção as coisas
Penteia a falta de cabelo
Disfarçando brancas com a cor do imaginário
E cobre as ideias de liberdade
Com um chapéu de palha
Da que antes as andorinhas fizeram ninhos
E imagina a primavera
Na única flor que brota
Papoila em ramo de espiga
Dando à tua imagem o ridículo da visão dos outros
Veste-te agora
Esse corpo mais frio ainda
Depois dos remendos
Bocados pouco uniformes
Disforme também no padrão
Que não segues deliberadamente
E nos pés
Os descalços sapatos
Que pisarão o palco em passos pouco aderentes
Mas antes de ires
Olha-te novamente nesse olhar fundo do espelho
Apenas para que não te restem mais reflexos
Que esse
Viver assim
Até que a morte te separe
Do palhaço que há em ti

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Balões sem fala









Pensava a cores
Como de cores lhe nasciam os sorrisos
Não eram sonhos, não
Eram pensamentos em forma de balão
Qual personagem de BD
Pensamentos visíveis
Nos olhos
Nos lábios
Nas mãos dançarinas
Nas palavras traquinas
Em pequena era assim
Gaivota
(nome que lhe deram por ser franzina e qualquer brisa a fazer voar)
De pernas finas
Mas agora lembra que voava
Não por ter asas
Mas por pensar em forma de balão colorido
E agora
Quando o tempo é de gaivotas em terra
Por vezes quebra
Cai
Acinzentam os pensamentos
Chovem mil tormentos
Mas
Logo logo sorri
Em balões de fala colorida
Por saber ser assim
Invisível a cor da vida
E haver balões que enchem com a imaginação

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Só...Rio


Só-rio
Na corrente do leito
Enquanto nada a força da ausência
Do corpo com ancora
Como objecto vazio abandonado
Só rio abaixo
Porque nos lábios húmidos entreabertos
Falta a profundeza do sorriso
Quando num beijo se afogam todas as almas
Sem foz onde se possa amar
Mas onde todos os sonhos vão morrer
Nascendo apenas porque num rio só
Se juntam todas as gotas da solidão
No mesmo leito incerto
Onde se deitam todas as palavras
Em correntes desancoradas
Dando liberdade a todos os afluentes
De se transformarem na junção
De abraços líquidos
Só-rio
E abrem-se os lábios num beijo
No sorriso em agua desfeito
Ficando nas margens os seus destroços

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Criações


O contraste, dos trastes que me formam, nem sempre são claramente entendidos, pela diferença quase impossível de existir no mesmo ser…mas encaixam em mim como coisa una, a preciosidade e o pechisbeque, o branco e negro, o amargo e doce, do fel da laranja açucarada que me faz e desfaz em constantes metamorfoses em que em nada me mudam …como a palavra da escrita mariposa em voos, ou a voz da lagarta enclausurada num sono de beleza….no mundo animal em que tudo começou com a palavra ainda sem Deus capaz de criar os homens, por também ele ser pouco racional, em contraste com a criação de deus dos Homens.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

In.Cog(n)ita





Cogita uma outra forma de andar sem pegadas
Entra pela saída traseira, da sala de espera do quarto minguante
Enfrenta de costas a sombra para que não a siga depois da fuga
Corre ainda em cores vistosas a agua dos rios sem leito
E pelo pensamento se esconde
A ideia fixa e triste
Só porque existe…mata-se pela raiz a daninha erva
Pensa não ser visível aos olhos dos cegos comuns
Mas espelha o reflexo de todos os olhares do mundo
Imagina então outra coisa
Que não antes existira
Para se poder dar como nova a idade da pedra
Que traz atada aos seu pescoço
Com corda
Discorda
De nada servirá registar patente
Mente e não poderá ser original
E mortal ideia só poderia existir na cabeça invisível do homem ausente
Que ama e sente, como se o amor que nunca faz a engravidasse
Prenhe de conceitos
Dá á luz preconceitos
Por não ter querido saber antes das nove luas
O sexo do anjo que nasceu
E se em quartos, parte e reparte a laranja
É no fio da navalha que o fel se prende
Dando à lua o amargo das noites
Por ser da cor da romã
O que sente
Incognitamente surge
Dentro de si o dia eleito
Em que no peito o raciocínio lógico
Do amor Nada coerente se Afoga
Por pura imaginação demente
E sem ser crente
Aposta ser ela o próprio enigma
Do mistério de X
Com mais ou menos Y
Que decide o sexo do pensamento humano

Ex.cultura




Antes escultura da arte que se assinava em exposições
Agora ex do amante que a deixou por contradições
E na falta de melhor desculpa
Culpa a puta que se expõe
Em salas ruas e salões
Ousando deixar na miséria
A amada que amamentava a criação que desespera
E na espera, diz que o amor não se findou
Apenas foi ali matar a fome
Das bocas que ele próprio roubou
E separa assim as criaturas
Sem divórcio consentido
De um lado o corpo magro e enfraquecido
Do outro o espírito que perde os sentidos
A musica são fados e canções de embalar
A poesia é fantasia em sopa de letras
Pintura, de guerra
Escultura de braços de ferro
Criação
Educação
É pura obrigação dos pais
Que abortem em casos anormais
Que este amante vos enterra
Ex.cultura
Ex quimera
Sejam Homens
Façam-se à terra
Deixai as asas para os pássaros
Que foi Deus que os inventou
E a vós assim condenou
A seres puramente banais
Vendam-se
Matem-se
Depois de vós haverá mais
Ex…combatentes
Ex…amantes
Ex…profissionais
Das Putas governamentais

Com. Traste




Entre o colorido da íris
E a menina que se veste de negro
Entre o arco da velha
E o pote de oiro que te tenta
Entre a gota de orvalho
E a tempestade que me assola
Entre o sapato raso
E o salto que te pisa o ventre
Entre o chão em que me deitas
E o céu a que me levas
Entre a palavra que se diz
E o que se escreve calado
Entre o caldo verde
E o caldo entornado
Entre a tradição e a história
Entre a honra e a glória
Entre a pátria e a Matriz
Entre o útero que gera
E o parto que mata
Entre a chegada da ausência
E a ausência de se espera
Entre a saudade do que irá vir
E a falta de memória
Entre o ser e o que se mostra
E o ser que se isola
Entre a montra em saldos
E assalto à pistola
Entre o presente enlaçado
E o futuro vendido
Entre o peito e o umbigo
O traste usado
E o contraste do inútil utensílio
Entre
O conteúdo que forma
E o vazio que deforma
Entre
Eu e tu
Ele e ela
Nós e outros
Infiéis amigos
Traste contraste do meu umbigo!

In.consciente





Convulsa
O pensamento tosse em constante agitação do corpo
E ela dorme
Num agonizar constante
Mexem-se os olhos fechados
Como se vissem no escuro a luz
Não fala
Cospe sons confusos
E o silencio dos outros é assustador
A respiração falta-lhe tantas vezes
E reinicia a máquina em ziguezagues
Disfarçando a aflição do motor
Ao acordar refresca-se no suor do corpo
E limpa os restos nos lençóis húmidos de si
Tacteia-se tentando confirmar a vida
E na duvida da existência do sonho
Confirma a ausência do real
Quando se toca para lá da pele
Num frenesim angustiante
Quando confirma o óbito desse dia
Ergue-se a noite
Comprovando a reencarnação
De todas as almas
Inconscientes
Que conscientemente exorcizamos
Por não ter corpo capaz de as conter
E como estátuas pousamos nus
Decapitados
Porque nem sempre temos face que se consiga ver no reflexo
Frias
Estáticas
Obras de arte surreais
In.conscientes seres humanos.

Enquadrada




A espera fica-se no tempo e no espaço
Sendo o que é por falta de ousadia
Despisse ela todos os preconceitos que a cobrem
E de meias negras surgiria
Talvez ainda sentada
Em posição diferente
Porque uma espera mais ousada
Não se fica apenas…
E esta mente
Sabe que deixou de o ser e dá tempo ao tempo
Como uma outra forma mais consciente de existência
Num jogo em que seduz a ausência
Mordendo o lábio do tempo
Lambendo a dislexia da palavra
Que ainda se contradiz na forma
Apenas e só
Aquele momento
Em que sabendo-se outra
Ainda não se mostra
E retrata a imagem do consenso
Porque teme ainda as divergências
Da normalidade com que fecha e abre as pernas
Então fica assim enquadrada na ideia dos outros
Na moldura enCastrada
Limitando a vontade de se expandir para lá da parede
Concentrando o tempo, o espaço e a essência
Talvez nesse “dar tempo ao tempo”
Surja
Mais ela
A que espera sempre…sempre mais
De si e de todas as coisas
Desenquadradas do real
E prostitui-se em montra
Deixando apenas ver o tempo que ainda não se deu.

Resíduos Bio Degradantes




Não sei quem é
Mas de certeza que tem um nome
Tem pai
Mãe
Filhos, talvez
Tem uma vida
Uma história
Uma pátria
Mas come o meu lixo
É bicho?
Não sei quem é
A criatura que vasculha o contentor na noite escura
Está frio agora
E pouco sabem o que se passa lá fora
Não sei quem é
Será Zé, António ou João
É alto, magro e sozinho
Mexe
Remexe com atenção
Saco na mão
Olhos no chão
Não sei quem é
Antes fosse um cão
Que miséria a nossa
Aqui mesmo ao pé da porta
Podre
Mal cheiro
Restos da ganância
Sobras das bocas fartas
Excedentes de outras misérias
Outras gentes, crentes?
E ele agora leva
Come
Reparte
Não sei quem é
Criatura que no lixo me toca a consciência
E nós…na ausência
No quente social que nos enfarta
Nos engorda a ignorância
E nos emagreça o pensamento
Nos restos dos homens que no frio escuro escondemos
Não há Palavras bonitas para poemas
Quando é da pena que os poetas se alimentam
Não sei quem é
Não sei se sonha
Mas é Homem e come o meu lixo
Vergonha!
Desta miséria social contaminada
Não sabermos quem são
Nem que somos…
Comemos vómito até nos fartar
Não sei quem é...
Pode ser Zé...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

EscritaRia




O tempo fizera dela aquela espera
Como sala
Onde se entra e se fica
Pensando na desdita ou folheando um qualquer pasquim
E era assim o seu peito
Não se lembra desde quando
Nem como foi
Mas agora
Seja a que hora
Ou em que lugar
Ela aguarda calma e tranquilamente o tempo
Que passa folha a folha
Página a página
Levando todo o tempo que levam as histórias a se contar
O tempo de uma letra pode ser longo
Se a tornearmos com a ponta dos dedos ou da língua
Parando nas curvas
Escorregando nas linhas inclinadas
Salivando para que húmidas deslizem
Quando sós
Junta-se uma outra em aconchego
Ladeando a ausência
O vazio
A espera
E na junção
O tempo faz-se um outro tempo
Soletrado cuidadosamente
Como mel a cair na boca
Doce
Denso
Por vezes prendem-se na garganta
Ásperas
Dolorosas
Ficando cativas de um trago
Outras há que se descolam da pele
Escamando como peixes
Em paginas e paginas salinas
Pelo suor ou pelas lágrimas
E nessa hora
Nesse tempo
A espera desespera
Fechando-se o espaço em que nos demos a ler
Guardando para depois…
A hora em que consigamos juntar de novo
Letras inteiras felizes
Capazes de nos encherem o peito de gargalhadas sibilantes

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

InCorpóreo




O corpo
É mais que aquela boca que te beija
Deseja
É toda a saliva que te cobre
A ânsia
A euforia
É toda a voz que geme em sintonia
E grita mais e mais
O corpo
É mais que tocável pele desnuda
É o arrepio que surge nos olhos negros
E o fio que escorre na ponta dos dedos
A língua que palpita nas entranhas
É a marca que fica na cama
É a dor quando ausente
A saudade quando se tocam apenas espaços vazios
O corpo
É aquela parte de nós que se cola
Que se encaixa
Que se dobra e desdobra em impossíveis combinações
É a coisa morta depois do acto
É o facto comprovado
Depois de todas a improváveis situações
O corpo
São as palavras que se dizem com ternura
É o silencio que teima em ser eco
É o sim eu quero
É o não por capricho
O corpo
O corpo é um bicho
Que nós teimamos em dominar
Quando nos dói
Fala-se da alma
Quando nunca antes a dissemos
Porque o corpo é a parte que se vê do nada
E a alma
A alma é o vácuo em pérola
Que enche um corpo nu
Fazendo dele a concha
Que nos guarda

DeMente


É como sede constante
Que não mata porque bebe a seiva das palavras
É ausência de algo presente
Que está porque me falta
É a acção premeditada
Do acto impensado
Como um crime perfeito
E mesmo assim condenado à máxima pena
Sem dó nem piedade
Por ser cruel a ave que voa em círculos na espera
É o feito e o desfeito
Do acto sempre primeiro
Da dança em pontas, bailarina sombra
É o orgasmo desejado
De um corpo moribundo
Que parece criança recém nascida
Nua
Pura
Indefesa
Ao mesmo tempo que envelhece de cansaço
Há tanto tempo aqui…
Há tanto tempo em espera…
Não desespera por não saber sair de mim
Mesmo quando abertas todas as portas
Ela fica
Inerte
Qual preso masoquista
Que depois de pena revista
Recusa a precária saída à rua
Sou tua…dizem seus olhos calados
E eu amo-a por obrigação
Ou talvez por sentir ternura
Uma pena assim tão pura
Não se pode renegar
E deixo-a indo ficar
Ave de um quase paraíso
No meu único esconderijo
Onde só ela sabe estar
Porque mesmo com asas não voa
Faz de mim esta pessoa
E eu…cansei de procurar
Que fique até que me queira
Ou que eu canse de a matar
Não lhe dou nome
Não preciso de a chamar…
Loucura chamam-lhe outros
Ela sorri, enrosca-se em mim
E nada mais importa….

Rugido


Não há tempo nem espaço
Que eu consiga inventar fora de mim
É tudo uma ilusão do meu umbigo
Que em espiral se interioriza
E me faz centro
Soubesse eu nascer como as plantas
E seria a (H)era que se enrola nas coisas
Cresce sem necessitar de muito alimento
E ergue-se mais alem
Mesmo depois do tempo acabado
Sempre fora do espaço destinado
Soubesse eu afinal porque nasci
E talvez não me revoltasse tanto com o facto de existirem fora de mim
E o mundo fosse aquele movimento único
Dos olhares profundos
Quando nos olhamos e nos vemos semelhantes
E mesmo em risco
Nos deitamos quando cansados
Adormecendo encostados à juba do leão
Sem que um nem outro estranhe a ousadia
Por empatia…do bater do coração

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

TEOREMA




Subtraio-me
À totalidade da existência
Por me querer dividir em partes
Sem restar nada
Que possa adicionar à variável do tempo
Incógnita existência
Que me equaciona dia a dia
A probabilidade do ser
Eu
Subtraio-me
Por me sentir múltipla
Infinita capacidade
Nula, quando me resto na única formula
Em que os outros avaliam o todo
Aprendemos desde cedo
O valor que se dá a
Pi……………… (palavrão) da vida
Quando à esquerda nos situamos
E nos fazem duvidar do axioma
Pela erro da forma
E pela falta de espaço
Restando o que conseguirmos somar
Para depois subtrair de nós
Na divisão em que nos repartimos com os outros
Sendo o fim
Uma linha recta
Na horizontal do tempo
E a probabilidade de erro permanece intacta por sermos simples mortais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Casulo




Já não há tempo
Frio ou quente
Que dê sentido à metamorfose
Em tempos….amenos
Era por osmose
Que se diluía o corpo e a alma
Em mares comuns
Onde nos banhávamos
A solução era composta por todas as partes que ousávamos ser
E nus…uníamo-nos
Completando a essência una
Negando as formulas cientificas
Mais que comprovadas por estranhos
E nós..éramos
UM
Sem tubo de ensaio
Por ser ciência exacta a nossa mutação
Da junção do corpo com o incorpóreo
Já não há tempo
Frio ou quente
E dentro do casulo
A coisa
Apenas sente a ausência
Envolta em camada e camada
Na bolsa inundada de memórias
Sobrevive à espera
Talvez chegue a primavera
E de num bater de asas
O parto em aguas doces
Dê vida à possibilidade que existe em cada hibernação
De transformar a matéria em qualquer coisa
Mais pura
Mais ela
Mais etérea
E depois volte a sorrir em cada nova madrugada
Por poder voar para fora de si
Lugar onde sabe que se pode encontrar.

Era uma vez....duas ou três..


No reino dos sem cabeça
A única fabrica que existia era a de fazer chapéus
Nesse dia deram ordem
Procurem por todo o lado
Nas casas, nas ruas
Nos rios, no mar
Nos poços
Dariam recomPensa
Procuravam cabeças
Perdidas
Doidas
Varridas
Ocas
Formatadas
Agora são procuradas
Para dar cara à mão
Que usam e abusam na confecção
Para depois dar lógica ao objecto manuFacturado
Manequins usados
Rostos com pouca expressão
Mas
Pelo sim, pelo não
Pegam na cabeça mais à mão
E enchem-na de sentenças dadas
Atafulham-se de pensamentos repetidos
Algumas pequenas estórias
Factos nunca comprovados
Crenças e imagens de submissão
Ainda há lugar para memórias
História, chamada tradição
Olham-nas ao espelho expectantes
E enrolam ainda as pontas dos cabelos
Espetam bicos esbranquiçados
Ousados
E a cabeça caçada
É agora enfeitada com um belo travessão
Fixador de ideias
E houvesse tempo
Cobririam ainda as brancas
Mas as falhas já são tantas
Que de nada serve a tintura
Assume-se como nova moda
E ma.deixa, sim ou não
Ergue-se a cabeça enfeitada
Segue em frente presumida
E em fila de espera aguarda
Que mais uma outra cabeçada
Lhe dê ar de decidida
E assim continuam os tempos
De cabeças desOcupadas
E se algum pensamento louco
Ou uma outra convicção
Lhe possa causar defeito
Refazem o risco corrido
Pente fino sempre à mão
Temem o quebra cabeças
Pensam na decapitação
Então penteiam ideias
Ou disfarçam com perucas
E na terra dos sem cabeças
Tudo corre na perfeição
Importam peças já gastas
Exportam a nova geração
E as máquinas sem parar
Facturam de noite e dia
E se alguma cabeça dura
Ousar pensar em mudar
Cobrirão suas ideias
Com valores adulterados
Prendem a força dos sonhos
Dizem-se donos da razão.


Chapéus há muitos…pois então!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Confidências...




Em tempos idos
Enlaçadas palavras aos ouvidos
Rodopiando na memória
Toda a minha história
Zunzuns de sentidos
Na ponta da língua esgrimidos
E dedadas
Assinalando o trilho com a impressão transmissível
Da derme arrepiada
Suando em cascatas cristalinas
E as crinas
De montada alada
Fantasia sempre imaginada
Da mente intransigente
Que à dentada te devora
E depois cora
A outra face que se dá
Ao mundo inventado à pressa no sofá
Frente ao aparelho comandado
Teclas calcadas
Vidas outras contadas
De novelas caprichosas
Exigindo finais empacotados às doses
Comprimidas felicidades momentâneas
Não estranhas
Fazendo-te personagem principal
Sem fala
Descolas-te da caderneta
Repetidamente foges
Ousas sair da linha
Por sina torta
Por sina entre
Por sina alinhavada
Em pontos
Bordando na palma da mão
O único
Final feliz improvável
Por afoitar-se na junção
De unir outra mão
Decalcando o ponto em …
Inconfundíveis sinais

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

TOURADA


Andava cansada
Farta das lides
Ora domesticas
Ora selvagens
Raramente se encontra satisfeita com a sua performance
Nas domesticas
Sabia o sitio de todas as coisas
Mas parece que elas tomavam vida própria
E depois de bem colocadas
Era sempre fora do lugar certo, que ela as voltava a encontrar
Um quadro que é quadro deveria saber estar exposto
Mas parece que não lhe bastava..estar
E ora tombava para a esquerda ora para a direita
Um bibelô
Será sempre um bibelô
Mas os dela não
Eram bibelôs com personalidade bem vincada
Uns partiam-se e ficavam ali a “bibelôsar” na mesma
Orgulhosos de si
Altivos
Acumulando o mesmo pó e indiferença que os outros
Outros
Eram objectos com utilidade
Mas mesmo assim, reafirmavam-se todos os dias
Como que saindo do armário, serviam para o oposto da sua condição
Ou até para nada..inutilizando-se, como quem diz que só vive e serve quem quer
Mas as lides selvagens
Aquelas com que ela nunca aprendera a lidar
Que nascem da selva dos acasos
Das coincidências
Do lugar certo e hora certa, cúmplices
Que de forma audaz, impulsiva, genuína e quiça improvisada, ela enfrentava
Davam-lhe luta
Olhavam-na nos olhos como que a tentando à prova final
Ela não gostava de ver sangue
Não defendia a pena de morte na praça publica
Mas atrevia-se a entrar na lide
Sem capas enroladas
Nem passos de cavaleiro apeado
Muito menos usava montada que lhe facilitasse a festa
Ousava pois enfrentar a fera nos olhos
Nua, debaixo das luzes do traje
Dia a dia descobria afinidades
Paixões com a besta feroz
Conseguia ver sempre o lado bom da “coisa”
Sabia-se aprendiz
Incapaz de se ver levada em ombros
Muito menos que lhe dessem a honra sanguinária
De cortar rabos e orelhas
Cada aplauso ou olé
Entenderiam apenas como um acaso momentâneo
Alguém mais distraído que seguia a lide como os cabrestos
E ouvia sinos em vez de chocalhos
Acusando vida em movimento
Para que não se descuidasse nem um pouco
Era astuta
E dançava ao toque da banda
Alimentando sempre o improviso do passo
Mas cansava-se também…
E sabia impossível manter arrumada toda aquela confusão
Mas em dias de arrumação
Coloca tudo em gavetas
Limpava tecto e chão
E viesse alguém ou não
Estaria tudo guardado
E só pedia em pensamento
Que ninguém ousasse abrir os seus compartimentos
Receberia então os chapéus
E sorria à ovação.

Espantalho


Quando o homem pássaro se esquece de voar
O tempo passa
O tempo voa
E ele esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Quando o homem pássaro se esquece de sonhar
A noite cai
O dia nasce
E ele esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Quando o homem pássaro se esquece do rumo
A vida muda
O mundo gira
E ele esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Quando o homem pássaro se esquece do outro
A morte surge
A solidão mata
E ele esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Quando o homem pássaro esquece quem é
Secam-lhe as veias
Crescem-lhe os ramos
E ele esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Cria raízes na terra já sem vida
E o homem pássaro já nada lembra
Esquecido
Parado
Quieto
Adormecido
Abre os ramos secos
Afugentando os pássaros
A que outros homens deram vidam

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Servi Domini


Porque nos devoram os monstros sociais 
E depois de comidos querem mais e mais 
E nós alimentamo-nos de ilusões 
Somos puras contradições 
Individuais, doses fatais 
Alimento para animais 
Porque não morrem enfartados? 
Trincam e lambem os lábios 
Babosos glutões 
Nada na borda do prato 
Afogamo-nos na sopa com a pedra no sapato 
Morrendo de cansaço, boiando como excrementos neste esgoto 
Ok, não somos gente 
Mas sombras de um criador, que se esqueceu de nos tirar a dor 
E nos deixou acreditar na fantasia 
Reprodução em cadeia 
Sem grades para que possamos afiar as limas 
E usamos as unhas esgravatando a terra 
Fazendo covas para plantar defuntos 
Que depois de bem cuidados crescerão viçosos nas nuvens 
Alados girassóis 
Que seguirão eternamente a luz divina 
Que sina! 
E a semente de gente? 
Serve de alimento ao patrão 
Que em dia sem remuneração 
Acusa 
Abusa 
Explora 
E nós pedindo esmola 
Na porta da consciência urbana 
Infestada de peste suína 
Desumana 
Doença roubada para pura carnificina 
Ide em fila 
Porcos imundos 
Redundantes seres animados 
Agradecei em voz baixa e de olhos no chão 
Para que querem mais que um naco de pão? 
Já não há pulmão para gritos de revolta 
Droga de criatura pura 
Essa maldita habilidade que insistem meter nas veias 
Dignidade? 
Ilegal sentimento 
Não lhes chega o demente pensamento 
Querem mais? 
Agora cortem os pulsos que precisamos de dar cor à pátria 
Não há maior honra que servir de pigmento 
Amanhã é dia santo 
Podereis chorar em vão 
Alegremente florir campas 
Uma ou outra oração 
E basta! 
Para o ano há mais cultura 
Festas são procissões 
Vistam os meninos de anjinhos 
As virgens com seus filhinhos 
E aleluia senhor! 
E não adianta não ser crente 
Somos UM ilusoriamente 
Formando a massa compacta da estupidez humana

domingo, 30 de outubro de 2011

Faça chuva ou faça sol


Agora que chove
E escorrem as aguas pelas ruas
Chega o tempo que já o foi antes
Aquele em que se perde a sua noção nas nossas memórias
Nem sempre claras as lembranças
Não se lembra dia ou hora
Mas a chuva que molha
O frio na pele que arrepia
A cara fria
E aquele correr para os braços quentes de alguém
Agora que chove
Volta o cheiro da terra
O sabor dos beijos das romãs
E a cor da saudade de outrora
Era quente a brasa
Iluminada a casa
E o corpo aconchegado em cobertores de lã
E no enlaçar das lembranças
Às voltas tantas
Lembramos a hora
O dia
Quando fomos crianças
E chovia sempre tanto quando éramos pequeninos
Talvez por isso agora
Sem dia nem hora
Tentemos passar intocáveis por entre as gotas de chuva
Mesmo que encharcados até aos ossos
Renegando memórias
Saltando poças
Espaços de tempo
Deixando para trás …o temporal que nos assola
Depois…um dia virá o sol quente de Inverno
E as chuvas num dia de verão
Contradição
Seguimos viagem …mudando na próxima estação
Na única linha que não encerra…a nossa memória.

sábado, 29 de outubro de 2011


Chamavam-lhe mulher e ela ria
Com a boca cheia dos sorrisos contidos uma vida inteira
Sabia-se sereia e bela
No ventre a serpente que tentara Adão outrora
Em espiral circulação
Tocava-lhe o coração e surgia uma outra
Dócil ser de amor puro
Que em dias sem pudor chorava as dores paridas
Toda uma vida
Chamavam-lhe mulher e ela ria
Sabia-se quente e fria
Derretendo o gelo que a cobria em dança do ventre compassada
E banhava-se naquela água que depois fervia
Quando seu corpo em gemidos se perdia
Chamavam-lhe mulher e ela ria
Bicho felino
Metade Ela metade Fera
Mulher inteira quando amada

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Expressão plástica


Ondula o tempo ao longe no quente da tarde
E o horizonte é o copo de água que falta
Ondula a seca folha que debaixo dos meus pés faz triz
E por uma unha negra a era já não é
Ondula a sede que tenho na língua
Serpenteando louca e venenosa
Ondula a ultima gota na garrafa vazia
Nos meus olhos ondula o mar sem maresia
Ondula a areia do deserto
E um punhado na mão se faz em nada
Ondula a fria noite, nas copas das arvores de um oásis num quadro assinado
E eu, no banco de pele macia da sala do cinema a preto e branco
Olho o ondular do teu corpo na tela
Ondula o meu corpo em sintonia
E o chão que me segura do lado de fora deste mundo
Que inventaram, apenas para que eu morra…
De sede
De tédio
De pena
Ondula o fim…em palavra projectada
E eu morro antes de mim
Apenas para me ver a ondular etérea
Lá longe…onde no horizonte se finda o mundo
E eu…estando aqui no lado de fora
Rio, para que ondule minha voz bem fundo
Antes que me comam vivas as palavras mortas
Do que não digo…por nada existir deste lado
A ilusão óptica da terra redonda
São olhares infantis
E criatividade Divina
Afinal o mundo é feito de plasticina
E apenas ondula com o toque dos nossos dedos
E as ondas do mar…são apenas desejos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


Perdi a pena
Da dor que se sente sem anestesia
E choro silenciosamente as minhas magoas em soluços
Disfarçados de cascatas cristalinas nos meus olhos doentes
Perdi a pena
Da inspiração que antes surgia alucinada
Vinda do nada no meu colo ela caia
E eu sorria…admirada
Pela cria aninhada na minha fantasia
Perdi a pena
Da asa que me sustentava o voo
Do pássaro sem ninho que em mim crescia
Do mistério dos anjos que me povoam
Perdi a pena
E agora resta-me inventar uma outra forma de conseguir renascer das cinzas
Neste fogo que me arde ainda
Mesmo depois das lágrimas me lavarem inteira
E coberta de cinzas
Arrancar a ultima pena com que escrevo o ultimo voo…em círculos.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Mari_prosa II


Em estado Mari-pRosa...mais um pouco e voa...entre palavra e palavra...
No espaço vazio do nada dito, nada escrito, nada sequer pensado...
o espaço do tamanho exacto das asas...e num bater quase nada, num esvoaçar incorpóreo o movimento perfeito surge...e nada ali mais ficou, sem rasto do nada que ali existia...voa o espaço vazio entre as palavras, nos lábios ausentes da prosa, do som, dos beijos...

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Tédio


Olhar mais longe projectando na visão algo mais que a vista
E o horizonte poderia ser muito mais do que vejo
Sendo sempre infinita a possibilidade das coisas
Nem sempre me revejo ali ao longe…infinda
Projecto-me
Pela íris colorida
E o branco de fundo apenas é violado pelo ponto negro
É da lonjura…dizem
Mas eu nego, por me saber pequena, seja qual for a distância em que me olho
Não me choro, não!
Não me agrada o facto de poder encher o fundo branco de negro total e absoluto
E ficar-me apenas por um ponto
Redondinho
Perfeito
Ponto final, no meio de nada ou da ausência
Poderia ser imortal que não me faria diferença alguma
Apenas se multiplicariam os quadros
Infinitamente iguais
Ao longe cada vez mais pequenos
Mas igualmente pouco…
Igualmente monótono
Chato
Repetitivo
Concluo portanto que a eternidade me aborreceria de morte
Mas apenas por viver nesta certeza da visão limitada de mim… ao longe
Caso conseguisse encher-me
Ficar grande
Enorme
Um monstruoso ponto negro
Tão monstruoso que tapasse completamente o fundo branco
Talvez ai me fizesse sentido o olhar na distância
E os meus olhos tivessem Íris tão negras como o fundo do cenário onde me posso projectar
Em contraste com todos os filmes que dependem da imaginação do Homem

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Crónicas Marcianas



O bicho homem acomodado à sua condição natural de imortal
Fia-se na memória dos bichos bichos
Que fazem de conta que se lembram da criação do mundo
Falando entre si da arca de Noé
Contando histórias absurdas de um dilúvio
E o macaco que ri, quando nada (h)ouve, nada vê e nada fala
Lembra-se de ter sido qualquer coisa antes de ser macaco
E macaqueando imita o bicho homem na perfeição
Confundido o publico, que paga bilhete de sombra e exigindo o lugar ao sol
Para que lhe suba automaticamente o status
À medida que lhe sobe a temperatura do rosto.. pálido
Vendo na arena a fera amansada a contorcer-se de prazer sádico
Com os olés vindos de bocas pintadas de senhoras insufláveis
Que trazem no regaço o milagre da transformação… depois de bem pagas
Lançam flores aos molhos, em queda pelas campas imaginadas no solo
E choram os crocodilos dos sapatos e das malas plastificadas
Para que impermeabilizem a inveja dos outros
Miseráveis criaturas que voam como melgas em seu redor
Um papagaio fala no megafone colocado na torre de Babel
Difundido a mensagem dos bichos de espécies superior
Que se repete em eco …no vazio interior de cada bicho homem
Vindo directamente dos Deuses
Um ecrã gigante mostra a imagem de um robot
Imitando o desenho (in)animado em velocidade TGV
Dando a ilusão de óptica da evolução da espécie
E ao longe o bicho bicho luta pela posse do comando que perdeu
Enquanto o bicho homem reza o terço de cócoras
Pandora esconde a vergonha numa caixa sem fundoS
E ninguém assume a culpa de Herodes
Os fieis aos Homens são todos gays
E o rei da selva pede extradição
O povo bicho bicho respira silenciosamente
O povo bicho homem pede para ser ligado à máquina..por amor de Deus!
Em Marte decidem abortar a missão de invasão terrestre
E discutem a possibilidade do homem ter ido à lua…

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

SonoLentos




Acordai agora
Antes que vos tirem o sono
O sonho
A cama
O chão
Porque já não há mais pão
Não há mais terra
Não há mais nada
Acordai agora cambada de gente
Que a hora e tardia
É noite de todos os dias
É madrugada sem cravos nas espingardas
Sem cantigas de outrora cantadas
Sem lembrança do que sangramos em silêncio
Sem memória das dores amordaçadas
Acordai agora
Gente sem força
Sem vontade
Para que descansais tanto e até tão tarde?
Esperarão a morte dos dias?
As ruas desertas?
Dormirão também as sestas para que depois não vos culpem do ocorrido?
Ou apenas dormem os sentidos para que não vos culpem de ter visão?
De ter palavra e voz activa?
De ter na pele o tacto e sentir que vos tiram o suor?
E o prazer de ser… humanamente ser?
Oh gente adormecida!
Esperam que passe a vida e depois nada mais resta para poder viver
Canta o galo
Toca o relógio
Chamam as mães
Toca o sino
E nem assim vós acordais?
Oh gente sem pais nem país que vos desperte!
Mas que esperais?
Que vos doa as costas?
A consciência?
Depois de ser tarde…nunca mais chegarão as horas certas!





quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Maria Flor


Tinha o cheiro das giestas mesmo sem ser primavera
Crescia livre sem mãos que a moldassem à terra
Tinha braços de abraçar um mundo
Tinha raízes como quem tem prisão
E ela crescia selvagem
Cabelos ao vento da cor da liberdade
Rosto trigueiro
Corpo franzino
Não fora ela uma simples mulher
E talvez fora outro o seu destino
Era rebelde
Queria todas as vidas numa só
Fazia guerra para ter pão
Fazia amor para ter vida
E vivia perdida na sua condição
Era o grito dos outros no seu grito
Era o silêncio dos infelizes na sua voz
Era tanto…tanto!
Acho que ela era todas nós
Mulheres
Flores
Mulheres espiga
Mulheres de dores
Amantes
Amigas
Pu.ta
Perdidas
Era todas, num arbusto enfeitado
Na beira do caminho, corpo abandonado
Ao vento, dançava
À chuva, cantava
E no sol ..teimava em lutar
Não sabia bem ao certo porque tinha o nome de Maria Flor
Mas sorria cada vez que o dizia
Se fosse diferente queria ser pássaro..um beija Flor
E de repente encheu-se de vontade de voar
E quem sabe… conseguir-se cumprir
Maria Pássaro Flor..num beijo
Partiu!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

E Voo Lução



Levitava agora
Depois daquela hora em que morria nos seus braços
Era sempre assim…
O chão fugia à pressa, parecendo não aguentar tanta leveza
E ela apanhava a primeira nuvem
Que passava sempre a hora incerta, mas sempre a tempo de a levar
Com aquela cara de quem acredita em fadas e duendes
E sorrindo com aquele sorriso dos Deuses
Ficava assim a ser livre no ser
Sem nada que a segurasse à terra
Nem sempre podia voar nas nuvens
Nas patas da águias
Ou nos bicos das cegonhas
E essa impossibilidade, aliada ao facto de existir enquanto gente
Fizera dela tantas vezes a marginal
Por vezes a fuga eram os sonhos
Outras, o olhar perdido e vago no tempo, pela janela e no horizonte
Tantas vezes fora repreendida que desistira de se fazer entender
Fazia-se concha
Casulo
Chegava a sentir-se do tamanho das formigas
Mas encontravam-na sempre, fosse como fosse
Migalhinha…
Agora encontrara aquele lugar
Aquele onde voa sempre que queira
Onde se morre e ressuscita na mesma hora
O lugar onde se ergue aos céus e se sente como um anjo
Depois do voo em pique
Quando com ele se deita e se dá inteira
E ninguém a consegue fazer voltar à terra naquela hora
Nem as mais velhas tradições
Dos tempos em que os repteis se ergueram
Nem as santas virtudes das senhoras das procissões
Com o pecado afogado no peito
Nem as leis da física
Que fazem cair as maçãs das arvores
Ou a gravidade
Seja de facto ou fato
Dependendo da ocasião
Ela agora dominava a razão
E se decidia voar
Voava
E ninguém mais poderia negar os sexo dos anjos
Ou chamar-lhe tola
Ser livre é ser-se dona das suas asas
E só pousar quando o coração lhe pedir para adormecer um pouco
Ou ela precisar de descansar da solidão…

Dizem que é a ultima a morrer...


Ela pintava sorrisos
Andava de terra em terra e onde chegasse e encontrasse um largo
Daqueles com igreja e em que os sinos marcam as horas do dia
Estendia o pano cru, de cor de terra já mais que batida e suada
E na primeira hora entretinha-se a espalhar as latas de tinta
Os pincéis, espátulas, rolos , paus, giz, lápis de cera e outros tantos utensílios que só ela sabia o uso
Quando os dias eram quentes, daqueles mesmo abrasadores…
A sombra de qualquer arvore era o lugar escolhido
Em caso de dias cinzentos e frios
Era num alpendre velho, ou vão de escada de uma casa abandona, que se abrigava
Nunca sabia ao certo o tempo que estaria ali…quase tudo era improvisado a sua vida
Sem eira nem beira
Sem morada ou caixa postal
Era ambulante..errante por destino e opção
Fazia laços com facilidade, mas nunca se lembrara de ficar mais tempo, que o tempo de fazer laços..em que lugar fosse …
Para ela a estrada era como uma fita de cetim colorida
Que estendia juntando gentes e lugares
Enlaçando aqui
Atando acolá
Caso quisesse, poderia sempre voltar atrás e teria assinalado o caminho de volta, pela cor e luz do tecido que o cobriam
Reconheceria sempre a terra que já a brigara
Os laços que já fizera…
Mas naquele dia não chovia , junto à igreja erguia-se uma oliveira de um tamanho anormal
Ninguém se lembra há quanto tempo deixara de dar azeitonas..crescia a olhos vistos e a sombra que fazia era tão grande..mas tão grande..que em tempos de muito calor dizem que o pastor, que tinha o maior rebanho da aldeia, era nela que passava as tardes longas e calmas ..com todas as suas ovelhas. O cenário fazia arrepiar o Prior…que invejava tal rebanho…adormecido.
Mas isto tudo para dizer que foi ali que ela resolveu deitar o seu pano e espalhar as suas tintas…
E enquanto estava..pintava.
Pintava sorrisos nas arvores
Nos sinos
Nos rostos dos meninos
Nas vendedeiras da rua
Nas pedras das calçadas
Nas janelas
Nas lapelas dos senhores bem vestidos
Pintava sorrisos nas nuvens
Nas terras ressequidas e abandonadas
Nas maçãs
Nas vinhas
No senhor prior
Na santa do andor
Nos lugares escondidos
Nos becos dos sem abrigo
No cão rafeiro
No padeiro
Na senhora de má vida
Nas manas solteironas
No vendedor de carvão
Pintou sorrisos no pão
E há que diga que se multiplicou
Pintou sorrisos nas noites
Nos dias
E no mês que corria
Na cara séria do homem do talho
No sacristão
No bêbado
Nas beatas
E nas virgens
E enquanto pintava e não se cansava…a aldeia mudava
Não sei se por gosto ou espanto
Toda a gente sorria
Todas as coisas sorriam…
E ela…voltou a partir pintando a estrada que a levava além…
Ninguém se lembra da ter visto
Ninguém sabe o que se passou
Hoje, há ainda que conte que houve um dia que a oliveira secou …a sorrir…mas há quem ainda tenha esperança, que para o ano ela volte a dar azeitonas.

(histórias para quem não pensa que é gente grande!)

Rua do Imaginário


Os dias eram longas tardes anoitecidas
Os relógios nada mais marcavam que o tempo que faltava…para qualquer coisa acontecer
Uma ampulheta cheia de pólen, era virada a cada espirrar alérgico
A musica era um som cadenciado dos passos da multidão
Fazendo dos silêncios da solidão, a pauta com linhas do destino
A possibilidade de tudo fazia-se horizonte
E o por do sol era sempre da cor dos olhos apaixonados
As casas, eram blocos de jogos de encaixe
Que ninguém forçava encaixar
As arvores, eram abrigo de pássaros e dos homens
Dando sombra, dando frutos, dando vida e cresciam, cresciam, cresciam…como escadas para as nuvens
Os animais, eram sorridentes como nos desenhos animados
As crianças comiam gelados de mil cores, em taças de cristal
E os adultos nunca faziam birras
Quando chovia, os lagos enchiam-se de esperança e os peixes ficavam todos verdes
Quando não chovia…os lagos enchiam de esperança e os peixes pensando que estava a chover… ficavam verdes…
Das janelas das casas avistava-se o mundo inteiro
E as portas só serviam para entrar
Dos telhados soltavam-se buganvílias lilases
Fazendo pontes entre as casas e as nuvens
As pedras da calçada eram daquelas com história
Fizeram fogo
Fizeram-se roda
E nunca, nunca choravam
De noite, todas as estrelas se juntava nas esquinas
E a lua cantava serenatas ao sol
Quando alguém se perdia..era naquela rua que se encontrava sempre
E conta quem viu…que era mesmo verdade!!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Um café e dois dedos de conversa....


Qualquer coisa se passa no tempo que não passa e não melhora
Se faz sol..é quente e queima
Se faz frio…os ossos doem como se fossem partir ao mais pequeno movimento
E depois o vento…
O vento que me despenteia e leva com ele o que sobra pelo chão
Os trapos, as folhas, as palavras…todos os gestos que ficaram por fazer
Os momento em que se roda a colher na chávena de café quente
É longo…é eterno
E o açúcar sem se dissolver aos meus olhos
Aquele lago castanho em remoinho, hipnotiza-me
E o cheiro de outras terras ..outros lugares, entra-me pelo corpo adentro
E mexo…para que se entranhe em mim
Mas arrefece
E com o frio passa o cheiro do lado de lá da margem
Já não me apetece leva-lo à boca
Perde o sentido agora
Perco a miragem
Perco a vontade
O tempo lá fora continua quente!
Disse a senhora de olhos verdes, cabelo de um loiro “desnatural,” corpo de idade incerta
Olho-a e sorrimos as duas
Ambos com a convicção de que o tempo é nosso aliado nas horas vagas
Sorrisos desses cúmplices, matreiros…quase diria que são sorrisos de piscar de olho…
Talvez ela tenha a minha idade..talvez!
Sem lhe pedir traz-me outro café…bem quente, diz ela ao mesmo tempo que a sorrir retira a chávena de café que jaz frio…
Tenta-me, penso.
Naquele momento resisto a ceder à confirmação dos seus pensamentos sobre mim…levanto-me, pago os dois cafés e digo… até amanhã!
Qualquer coisa se passa com tempo…ou…com o tempo, passa-se qualquer coisa…já nem sei!
Caminho até à esplanada da frente…a sombras das arvores refrescam o espaço ocupado pelas mesas, sento-me, olho o empregado…novo, de estatura mediana, cabelos lisos e negros de um tamanho exagerado mas disfarçado com o elástico que o aperta…aproxima-se, diz boa tarde e eu olho-o…um café bem quente se faz favor, peço!
Com adoçante? Pergunta-me.
Com açúcar!! Respondo de forma firme e orgulhosa…aposto que devo ser das poucas a pedir com açúcar, penso.
Traz-me o café…
Repito os movimentos lentos do abrir o pacote de açúcar..vejo-o entrar na chávena e desaparecer..mexo e apresso-me a leva-lo à boca antes que arrefeça.
Está abafado hoje, digo.
Mas não obtive resposta…
Olho a chávena vazia…e vou embora sem dizer até amanhã!

Acto único



DuElo de corpos nus, num delito de deleite, sem provas que nos identifiquem como inocentes, cumprimos a pena suspensa na palavra, nos corpos,na cama e no chão.

Depois morreram felizes para sempre!