Com_traste

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terça-feira, 14 de abril de 2009

A MINHA PORTA...




A minha porta está velha…não me lembro muito bem de como era a minha porta antes, supostamente era nova como eu era.
Na rua de Arouche nº 25 erguia-se uma casa, 1º andar humilde, poucas divisões e tectos de caniço, uma cozinha com um tanque de pedra, uma sala de jantar com janela cheia de vasos de flores (agora lembro que era como se fosse o nosso jardim..ilusões dos olhos dos pobres), uma casa de banho onde não se podia tomar banho, dois quartos, uma sala de entrada que, como o nome indica, ficava-se nela assim que se entrava por uma escadas longas e perigosas (ainda me lembro da cancela de madeira ali colocada para que se evitassem acidentes), um dos quartos era interior, a única luz natural que tinha era de uma telha de vidro colocada bem lá nas alturas…era um quarto com muitas camas, o outro quarto (o dos meus pais) tinha 2 janelas para a rua e uma porta que dava para uma espécie de sótão, o sótão de todos os trastes velhos, de todos os utensílios e inutensilios, o sótão de todos os sonhos (um dia conto-vos os sonhos daquele sótão).
Nesta casa, a casa da minha porta da rua de Arouche nº 25, cresceram três meninas.
Hoje passei na Rua de Arouche, ao ver a casa da porta nº 25 o tempo parou…
Vi uma porta velha, uma casa abandonada, a única casa que se encontra em mau estado naquela rua. Na casa da Dona Irondina (nem sei se é assim que se escreve ou se leva H..naquele tempo, no tempo em que ela era a vizinha do rés do chão, eu mal sabia escrever) agora há uma loja de bordados e toalhas de renda, na casa do senhor Silva (antes havia um casão onde ao fim do dia o esperávamos para o ver guardar o carro das “bestas”) há uma loja de computadores e um escritório de contabilidade, na casa do Victor já viveram lá tantos outros que não sei o nome, na casa da Zézé já não há a loja de electrodomésticos do senhor Malveiro (ai as estórias que aquela loja tinha para contar!) e em frente a esta casa já não existe a casa do faz de conta onde íamos brincar aos pequenos vagabundos (o que valeu alguns dissabores e más recordações a muitos de nós), e a casa da Célia, com a taberna do pai dela (uma taberna enorme e onde se ouviam cantar os homens ao fim do dia) também já não existe como antes.
Todas as casas da rua de Arouche são agora outras casas, só mantêm o nome da rua como antes, são novas, modernas portas e janelas, modernas pessoas, modernas vidas…só a casa da porta nº 25 é uma casa velha com uma porta velha.
Hoje passei pela rua da Arouche, a minha rua, a minha casa, a minha porta..
Hoje fiquei com vontade de vos contar todas as estórias que aquela rua, aquela casa e aquela porta contam ainda em mim..
Naquela casa cresceram três meninas…
Não é por acaso que é necessário bater à porta com aquela mão…
Acredito que não foi por acaso que ninguém modernizou aquela casa, que ninguém habita aquela casa…hoje agradeci em silêncio por o não terem feito…
Tenho tantas estórias para contar…da única casa com porta velha na Rua de Arouche.
Naquela casa cresceram três meninas..
A Fátinha, a zézinha e a Natalinha com uma avó que se chamava Luísa e fazia sonhos..

Shiuuu eu conto…

domingo, 12 de abril de 2009

HISTÓRIA E ESTÓRIAS


Ladrava o cão
Na rua mais torta
Da vila cansada
Da terra mais morta.
Passou um homem
Andando aos tombos
Culpando a rua
do peso dos ombros.
Abriu-se a janela
Da casa mais térrea
Ouviu-se um shiuuuuuuuuuuu
De forma zangada
Eram altas horas
já estava deitada.
O homem parou
Olhou pra janela
Virou-se pró cão
Mandou-o calar
Contendo o riso
Continuou a andar.
Seguido do cão
Já sem ladrar
Chegou-se à porta
Abriu o postigo
Gritou lá pra dentro
Alguém dá abrigo?
De dentro da casa
nada respondeu
O homem entrou
sentou-se e comeu
Enquanto na rua
o cão uivava
A mulher dormia
sem dar por nada.
Naquela rua
ainda cá mora
um homem sozinho
já muito cansado
procura no vinho
viver o passado.
Já não há rua
como a rua de antes
nem o cão ladra
nem a mulher dorme
só ele cá anda
plas pedras gastas
pela terra morta
é tudo o que resta
nesta rua velha
um homem
sozinho
uns copos
e tombos…

quinta-feira, 9 de abril de 2009

A OUTRA METADE DA...CEREJA



Não sei o que quero nem porque espero
Não sei o que me faz andar assim
Não sei porque insisto
Nem porque imploro
Não sei ..mas grito
Nada me acalma
Nada me sossega
Nada há que me adormeça a raiva
Não sei porque grito
Mas grito
Exausta
Cansada de mim me quedo
Nem sei bem o que espero
Mas espero
E em cada revolta me seguro a âncoras de algodão
E fico boiando na consciência do exagero de mim
Não devia ser tanto
Não devia ser
Depois olho os outros com certezas duvidosas
Que dependendo do turbilhão que há em mim
Assim lhes rio ou lhes grito
Sendo sempre a mesma realidade que me cerca
Não a condeno à pena de morte em dias sim
Mas sou a própria forca em dias não
Sei todas as regras
Sei todas as fugas às ditas
Sei os segredos dos meus Deuses
Sei até que ignoro a diferença entre o que existe e o que invento
E consigo afiar a faca de ponta e mola nos dentes do destino
Quando o apanho a sorrir
Embriagado pelo prazer alcoólico dos copos vazios dos bêbados vagabundos
É meu aliado na chacina social a que me dedico quando sóbria
Depois há momentos em que me embriago totalmente na ingénua e pura fantasia
Na crença que se faz amor com a poesia
Existem rosas de cor púrpura em cada madrugada
Assim corto os pulsos à desdita
Mato a cruel nascida em mim, fruto de infidelidade dos meus Deuses
E solto loucas gargalhadas
Por me saber tão doce como as cerejas.