Com_traste

Com_traste

terça-feira, 22 de março de 2011

Homo Erectus


Tentas-me nas palavras silenciadas nos teus olhos
E eu evitando ceder aos pensamentos que me assaltam
Luto
Entre o querer e dizer não
Entre o ser tudo ou bastar um pouco
Na calada da noite em que o dia se desenha
Desfaço-me da fera amansada
E refaço-me na selvagem solidão
E chego a recear o pior
Quando te mordo a carne quente
Cravo as unhas no teu ventre
E lambo todas a feridas que te formam
Gemes
Aguenta a dor e suporta-me
Mais um pouco, digo
E deslizo as unhas nas tuas costas
Se me pedires
Eu não paro
Raso a linha do prazer em voos
Cabelos soltos em desalinho sensual
Suores colados aos odores excitantes
E lambo
E digo o quanto gosto
E grito
E digo o quanto quero
E como quero
Em gemidos
Enquanto te devoro num gesto feroz
Indomável fera
E entre troca de olhares em chama
Prendes-me à cama
E amansas o ímpeto louco
Numa troca de papeis sem assinatura
Agora sendo tua
Emitindo lamentos sussurrados
Contorcendo o corpo em vãs tentativas de fuga
Deixando a presa ser predador
E nessa troca de animais em fúria
Tornamo-nos desumanamente reais
E sabendo-nos fatais
Selamos o pacto
Como numa carta de alforria
Num único beijo verdadeiramente puro
Por nos sabermos bestas sem futuro
E nos entregarmos ao instinto que nos guia
Livres
Selvagens
Animais

Desconexos


Deixo andar o barco à deriva no lodo
O conhecimento, mais do que a sabedoria
É-me dado em formato alternativo
Comprimidos em caixas de tamanho familiar
Xaropes açucarados de cores psicadélicas
Sigo à risca a medicação
Tomando ainda um ou outro alternativo engodo
Minimalista a opção
Do nada quero mais do que o básico
Do desenho..o traço
Recto
Negro
E vincado
Da voz…a melodia
Da única palavra que dança na ponta da língua cada vez que se diz um beijo
Do corpo…a parte inteira
Onde sem pés nem cabeça se quebram as tradições
Do momento..o certo
Apenas acontecendo na fracção de segundo em que acredito
Do sitio…o ali
Porque nunca estás onde me encontro
Do tempo…o agora e o depois
Porque antes, nunca me tinha acontecido
Do acto..o único
Nunca antes feito, embora tantas vezes falado em repartições
Na lista das coisas desejadas
Uma parede branca
Imaculada
Para que nela se escutem as vibrações
E me segure em queda livre
E me encoste
Entre a espada e a parede

Ou vice-versa


Ah poeta sem alma ainda iluminada
Que dos versos fazes a prosa do teu dia
Analfabeto
Doutorado nas terras secas do tempo
Onde antes cresciam vistosas as searas
Ah poeta homem feito
Que de braço erguido te agitas
Bandeira ao vento teus restos
Grito de ordem
Manifesto
O teu rosto em fúria
Pela vitória
Ah poeta sem alimento
Que ainda tentas tirar o grão da espiga ressequida
Não te cansas desta guerra
Cavas uma outra terra
Gritas ao vento o nome do filho a que deste vida
E ainda sim não fazes nada
Dizes-te ser inanimado
Esqueceste poeta amigo
Que se não fosse a massa feita do teu trigo
Morreriam à fome os sonhos dos homens

(porque a luta é poesia ou..vice-versa)

Capicua


corpo que te possui
Sem inicio nem fim
É um todo perfeito
Como se de alma pura fosse feito
É matéria
Tocável
Deliciosamente tocável
Com limites protectores
Como que escudando o espaço central
Onde a dança acontece cada vez que me sugas para dentro de ti
E em movimentos ritmados
De lei sem ordem obrigatória do sentido
Sentindo-te um todo perfeitamente igual
Independentemente da forma como te inicio
E pelo fim me perco ainda
Por te sentir como no principio
Numa dança em espiral
Deslizo
No reverso do verso
Da desordem em que leio o teu corpo
Sento-me
Como dona desse espaço
Tacteando o teu umbigo

Insana


Insana
A poesia que não escreves por receio
Comes à pressa as palavras já frias e dormentes
Engoles em seco
Renegando a saliva que provocam
Quedas-te assim eternamente
Louca
Perdidamente louca
Engolindo a tua essência
A única certeza que reténs
É a tua capacidade de te alimentares infinitamente delas
Do que não escreves nem dizes por pudor
E mesmo temendo a lei dos homens
A gula do teu pecado sacia-te com pureza
E se por acaso te descontrolas
Vomitando as palavras obscenas que conténs
Soltas-te em rezas
Jurando ser o diabo que te possui
E em caso de impossível salvação
Doas o corpo para a ultima punição
E que te usem depois
Como prova do dom de Deus
E o poema final falará da santa que se suicidou

Assombrações


Adormecia a sombra na sesta da tarde
No mesmo colo em que acordava depois
Era sempre assim
Todos os dias se cansava de me seguir um passo atrás
E merecidamente adormecia
E nesse único momento do dia
Em podia ser sozinha
Corria as ruas
Os becos
E as ruelas
Trazendo na mão um balão em forma de lua
Procurava à pressa a luz do dia
Nos bolsos onde a escondia sempre
E antes que fosse aquela hora, em que os sonos acordam em sobressalto
Soltava os sonhos pela terra seca
Rolando de cova em cova
Abafando a descrença
Eram redondos e perfeitos
Coloridos
De tamanho certo
Cabiam na mão fechada num momento de medo
Era sempre pouco o tempo a sós
Logo depois a sombra acordaria
Meio contrariada
Negando o facto da sua ausência
Chamando-me insana
Por lhe dizer que adormecera
E eu ria
Não a querendo contrariar
Seria por pouco tempo
Muito pouco
À mesma hora
Na próxima tarde
Voltaria a se cansar
E eu sorria
Em cantigas de embalar
Para que o próximo sono
Me trouxesse a liberdade da infância
Em que a sombra é pequena
Quase invisível
E nós somos do tamanho de um mundo cheio de esperança
Nessa noite
Antes da ultima hora a que chamam tarde
Adormeci
Enquanto a sombra me velava…de olhos bem abertos

Puritana?


Dentro da caixa vazia
Guardava todas as jóias invisíveis
A caixa vazia estava sempre guardada no mesmo sitio
Propositadamente
Era sua pretensão nunca a encontrar...
O saber que existia bastava-lhe
Por vezes dava consigo a sorrir, parada no meio do corredor
Local que era mais uma sala de estar para ela
Ali se perdia em pensamentos
Delirando com todas as possibilidades que só ele lhe dava
De todas as divisões
Ela elegera o corredor
De todas as coisas
Ela elegera a caixa vazia ..mas fechada
De todas os amores
Ela escolhera o que nunca se tem
Da vida
Ela escolheu vive-la
E decretou
Desde o dia em que se descobriu imoral
Que não mais se proibiria ser

sexta-feira, 11 de março de 2011

Ora (a)ções


Não se consegue ouvir o silencio
Porque é nos sons das palavras que nos descobrimos
E nos perdemos
...O encontro do que se diz com o que se cala
É de impossível convivência.
São distintas formas no espaço e no tempo
Em que sem visão ou tacto
O som se cruza entrelaçando os lábios nos ouvidos
Como se fossem corpos em sintonia num orgasmo
Ou apenas o conhecimento a surgir claro…
Sobre o que se é, e o que se sente.
Mas sem os sentidos,
Sem pelo menos um ou dois deles,
Resta-nos a criatividade dos sonhos
O imaginário
E o acreditar
O acreditar que existe tudo aquilo que não se vê ou se escuta
O que não se sente na ponta dos dedos ,nem cá dentro…onde tudo vive em audíveis vibrações
O acreditar que alguém, além de nós,
Existe…
E nessa crença..nem tu, Deus que idealizas essa vida
Tens fé

Mulher de armas


Dorme
Dizes saindo à pressa dos meus sonhos
E eu resisto...
Querendo manter à força o pensamento da permanência
Em que circulas pelo meu corpo irrequieto
Mas adormeço
Apenas porque me canso da tua não existência
Mas antes
Lentamente, carrego a arma
E disparo um a um
Os momentos em que me deixaste enlouquecer
Na ignorância
Entre o sonho e a possibilidade de sonhar o real
E pelo sim pelo não
Coloco a arma debaixo da almofada
E adormeço segura

sábado, 5 de março de 2011

Sessão da tarde...


Agora fazia aquele amor que não existe
Aquele sabes?
Aquele que se faz com o corpo todo e a alma
E depois suspira-se
E suspira-se
...E suspira-se
Depois de suspirar?
Dobramos a manta, caso já esteja seca
E segue-se viagem…com a bagageira cheia
Atesta-se o depósito na próxima estação de serviço
Suspira-se
Apanha-se a via rápida
Suspira-se
Liga-se o rádio
Suspira-se
Paramos numa operação STOP
E sorri-se ao agente com aquele sorriso
Aquele sabes?
Ele apressa-se a mandar-nos seguir
Suspira-se
Pagamos a portagem
E sorrimos à câmara de filmar, logo depois ..suspira-se
E já noite…enrolamo-nos na manta que se pintou
E adormecemos quentinhos e…suspira-se


Pois eu sei...mas gosto tanto de picocas!!

Não, não é uma lista de compras!


Eu a certa e incerta
A que diz sim quando diz não
Palavra de ordem desordenada tantas vezes
Conhecidamente Anónima
A culpada da cria malcriada
A prendada de laçarote no avental
A pu.ta quando se porta mal
A barriga de aluguer
A senhora
A gaja
A Mulher
A prenhe de prazer contido
A desejada de lábios rubros
A contrabandista de sonhos
A arma usada pela presa
A amante desavergonhada
A esposa recatada
A mulher da vida fácil dos outros
A gaja sem tino
A Maria rapaz
A discreta por não ser muito esperta
A esperta por não ser muito esbelta
A outra
A própria
A bem casada
Honrada
A divorciada
A que usa as calças do marido
A de buço farto e carrapito
A velha tresloucada
A parideira
A virgem
A serpente da maçã
A Eva ousada
A costela
A que espera
A beata quase alada
A escrava
A sedutora
A porca que nunca usa a vassoura
A bruxa
A fada madrinha
A chefe mal amada
A secretaria assediada
A mutilada
A mama
A cama
A cansada de ser mal tratada
A Mulher da rua
A com poder
A Dolores
Doméstica
Domesticada
A fera amansada
A bailarina de pontas
A vendedeira
A desempregada
A refugiada
A de cara tapada
O sexo sem prazer
O prazer do sexo
A frígida
A frigideira
O amor de uma vida inteira
A fêmea
Felina
Sina
Fadada
Bordadeira
Carochinha
Casamenteira
O parto
A criminosa da parteira
A sopeira
O espartilho
A mini saia
A da rua
A que fuma
A que goza
A coisa
A vitima e a juiz
A criminosa meretriz
A Mulher com duplo X
A xxl e a modelo
A gorda na passerelle
A Vénus
A mulher barbuda
A depilada
A estéril
A mãe
A filha sem coroa
A rainha da colmeia
Menina e moça
A Mulher
Só Mulher já chega!
E agora não me façam mais gritar que ainda me dá uma coisa!!


Não, não são jantares e flores
Ou a simples manifestação
São as lutas
As vitórias
São memórias
História de uma falsa condição
Sexo livre
Trabalho igual
Poder com trono
Desigual
A mudança, que já é tarde
A esperança
O direito e a humanidade
Que raiva me dá a barbaridade de quem ousa falar de um dia sem razão.

Contra Capa


E nas voltas do tédio diário
Leio o livro que jaz no leito há dias e dias
As letras, somem-se por entre as frestas dos meus olhos
As frases voam rumo ao horizonte sem sentido
Não adianta esfregar, qual menina com sono
...Nadas as fará voltar à ordem do significado inicial
Agora possuem a vida num caos
Desordenadamente
Felizes
Como se o único acto verdadeiramente puro fosse aquele
O voo descontrolado
O risco
A vontade de seguir o sentido proibido
Ousando estar onde apetece
Ser o que se é…e ficar com ar de espanto nesse encontro
Sem medo de perder a certeza do naturalmente incerto
Nem pena de deixar a duvida eterna, para agarrar a hipótese temporária
E naquele momento em que apenas do livro seguro a capa
Sinto o poder do acto
Um titulo em letra maiúscula
Um nome comum
E tudo o resto é acessório dispensável
Já antes tinha unido um monte de folhas escritas
Mas desabrigadas…e não era a mesma coisa que um livro!
Pegava então na capa
E olhava embevecida
E a minha possibilidade de ler o que ninguém ainda ousara inventar
Tornou-me ilusoriamente perdida
Perdidamente…ilusória
Desassossegadamente…sentida
Sentidamente…lida.

Pai Nosso


Por momentos..(nem sei qual a dimensão de um momento)
Perdi-me no tempo da ausência
Do vazio
Negro
O fundo no horizonte
Turvas as linhas
Rouca a voz
Trémulos os gestos
E o significado do que se é, fica ainda mais confuso
A certeza de um fim de todos nós
É inconscientemente afastado do quotidiano
Para num certo dia nos surgir nos braços
Como caído de um céu divino
E nessa hora somos crentes
A fé é a única esperança
Contraditória pela ausência da prática antes de a conhecer
Os mais cépticos quererão ver os gráficos em queda
A confirmação por escrito
A verdade nua e crua..confirmada por terceiros
Os outros, os que usam a palavra como salvação
Acreditam até ao fim, na possibilidade de este não chegar já
Por momentos juntei os dois
O crente e o descrente
E numa mistura puramente interesseira
Rezei sem saber ao quê
E entendi a divindade da existência
No sofrimento que causa o fim do que conhecemos como divino
O homem
Não todos os homens
O homem..aquele!

Ventre - Ventrículo - Ventríloquo


Ao som oriental do mais intimo desejo
Ondula o corpo em movimentos ritmados
Ventre dançarino
Possuído por qual serpente sibilante
Fala em outra boca
Em voltas impossíveis e loucas
Hipnotiza olhares
Contornando o centro aparentemente fixo
Da maçã em queda da teoria da gravidade
E em orbita se movimenta
Circulando em cavidades sangrentas
Entra e sai da rota
Tornando o corpo leve em voo
Num espaço umbilical
Centrado na pele de cor canela
Fêmea em cio
Amante sem cama
Dança imprópria para salão
Nem vista nas esquinas da rua
Existindo apenas em espaços de tempo
Em que em segredos dança nua
No colo de quem lhe toca fundo
O som que vem de séculos
Em tapete voador
E faz do seu ventre sem véu
A boca onde se deita e lhe chama…coração