Com_traste

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Não imPorta


Como se estivesse emperrada a vontade
Nas dobradiças, o tempo que se acotovela entre passado e futuro
Sem presente liquido que a faça dobrar sem dor
E range como se num cerrar de dentes
Uivasse a força interior
Do animal que a forma ser vivo
Nunca antes uma porta se encheu tanto de vida
Nem mesmo nas traseiras de um qualquer quintal com buganvílias
Com baloiços de embalar as tardes
Ou com bancos de eternas esperas
As portas foram sempre criaturas mortas
Ligando divisões de espaços úteis e inúteis
Abrindo para saídas eufóricas
Fechando para entradas indesejadas
De par em par
Quando abandonadas à sua sorte
Mas agora
A própria fechadura
Povoada de teias de aranha
Adapta o vazio ao contorno da chave mestra
Para iludir o roubo
E dar-se a volta ao objectivo
Sem necessidade de aviso de ocupado
Deixando o ser inanimado
Bater sem que haja vento
Nem bêbado enganado
E pela fresta inferior
Que lhe tira o pé
Entram as cartas de amor
Que lê e relê
Deitando-se no hall de entrada
Sobre o tapete adormecido
Que diz sempre
Bem vindo!

Morder o vazio


Trincar os espaços entre as palavras
Com os dentes presos nas letras mudas
E engolir em seco o papel de musica
Vazio da gravidade das notas
Cantadas antes por pássaros desenhados nos teus olhos
Enrolar o corpo em dor parda
De papel de oferta desdenhada
Atando os dedos com laços de pouca vontade
Para escrever depois num cartão de visita não desejada
As palavras que se inventam quando nada se consegue dizer
Depois
Morde-se mais uma vez o vácuo
Daquele espaço de tempo de espera
Sangrando os lábios por se falhar o alvo
Enchendo os olhos com memórias
Escrever um livro apenas porque está em branco
E crescer tanto..tanto!
Que se envelhece fora de horas
E a pele solidifica o orvalho
Que vinha em madrugadas liquidas
E agora
Agora são pedras gastas
E o musgo cobre a preciosidade de outrora
Talvez assim as pedras criem raízes
E se morra como as arvores
Nas margens de estradas sem saída
Fazendo sombra aos olhos
E anoitece
Sempre à mesma hora
Apenas para o sol poder dormir

DesNorte


Quando se perdemos..de nós..de ti..de mim
O caminho pode ser qualquer um em que a porta se abra
A vontade estará no desejo de seguir viagem
De malas feitas em abandono
Onde se guarda o que resta de nós
E nos bolsos o vazio
Ao mesmo tempo o espaço por ocupar…enche a bagageira inteira
Poderá ser longe ou perto
Tanto faz
A contagem será em crescente à medida que a euforia do desconhecido
Apazigua a falta de combustível que existe
Querer arder em chama
Da voz que o imaginário povoa
E o corpo será reinventado para nos encaixar na memória
Ou não
Porque o vazio será ocupado por essa contradição
E em cada estrada
Em cada outra visão
A paisagem muda
E muda-se também o que deixámos para trás
E o desejo do desconhecido sem portagem paga
Sacia-se à borla
Ou na junção de condições idênticas
Em que o ar respirado é aparentemente puro
Sem poluição
A imagem surge outra…mais nova em nós
O som é musica que convida a dançar
E todos os sentidos se apuram
Renascendo de Norte
Morrendo a sul
E nas distâncias se encontra a orientação
Dos mapas deixados no porta luvas
Perdidos nos trates
Guardados entre fios de cabelos que envelhecem
Também eles desnorteados
E ausentes
Até um dia…ou não.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vigília


Acabam-se as tardes sem aviso prévio
E eu corro o risco de ficar assim
Presa na hora em que me penso
Ligada a um tempo que não passa
Como se o escuro lá fora fosse eterno aqui
E não importa o findar das horas
O passar do dia
Em mim anoitece sempre ao contrário
E no silencio
Quando todos dormem
Acordo num bom dia sorridente
Onde as estações não têm ordem estabelecida
E é primavera se te cheiro
Inverno quando me faltas
Se algum cão ladra ao longe
E escuto o galo madrugador
Vejo o passado das calçadas da rua ainda em pó
E um baloiço preso ao ramo da única arvore do quintal
Sendo o vento o único causador de movimento
E talvez seja outono
Porque caem todas as folhas do calendário
Neste colo que aninha os sonhos que adormecem
O frio que entra pela fresta
É o arrepio na pele quando me toco
E as tardes findam ao amanhecer do dia
E eu presa a este meu tempo
Incondicional
Sem aviso prévio…adormeço ao nascer do sol
E sonho
Com a noite em que acordaremos sendo dia

domingo, 25 de dezembro de 2011

In..satisfeita



Seduz-me
A porta aberta
Como a encruzilhada do caminho sem sinalética
A possibilidade das coisas faz de cada uma delas a prova da existência da felicidade
Quando espreitamos pela fresta
Ou quando nos quedamos no meio da estrada
É como se tivéssemos a certeza que para lá…
Depois de…
Existem prados verdes e nuvens cor de rosa
E só essa visão nos faz sorrir
E desejar não ter certeza de nada
Mesmo depois de darmos o passo decisivo em sua direcção
A infelicidade está na porta fechada atrás de nós
Na estrada de sentido único
Só podendo ser contrariada se tivermos capacidade de aceitar a nossa mortalidade
E transformar a utopia num sonho realizado
De cada vez que nos deitamos numa nuvem cor de rosa
Ou caminhamos por prados verdejantes
Como se não houvesse …amanhã.

Fumo...


Acendo um cigarro
Com a chama que ilumina o pensamento, agora
Inspiro aquele fumo ausente
Como outrora expirei presente
E pela boca encho de vazio a minha alma
Vicio de substância una
Que me mata lentamente
Mas sou eu quem sente
E não me importo de morrer assim
Em cada vez que me faltas
E fumo a pensar em ti
Lentamente
Arde o cigarro
Entre os meus lábios…a chama.

Ao Fim e ao Cabo


Ao fim e ao cabo
Naquele cais
Chega-se e parte-se constantemente
Como se a superfície fosse constante
E o ondular do mar, fosse firme e seguro piso, onde nos deixamos ficar na hora da partida
Talvez a segurança do porto seja a ilusão do horizonte
Como porto de chegada a fazer esquecer o porto de partida
E os dois existirem sempre naqueles que são de lugar nenhum
Os lenços que se agitam como um adeus até perder de vista
É apenas a saudade que nos sacode a ponta dos dedos
Num cumprimentar constante da certeza do que se sente
E os choros, infantis por vezes,
São as gaivotas que povoam o nosso imaginário
Nas lembranças que se prendem ao cais
Na esperança de quem não sabe por onde vai
E ao longe o navio que se aproxima
Trazendo mais uma vez a possibilidade de partir
Ou chegar…
Ao fim e ao cabo
Há sempre esperança …de nos tornamos autênticos portos de abrigo

Quase



A hora que demora a passar
Quando o passado ecoa
No corpo que esvazia de ti
Nos olhos que são rios
Neste canto onde só eu sei de mim
Desespera a vida
E momentaneamente enlouqueço
Parecendo que é naquela hora que quase… quase me findo
E quase… quase…ainda por findar
A hora que demora a passar
Quando o presente acontece
E eu não vejo a lógica dos tempos entrelaçados
Como se surgissem do nada
Aparições obrigatórias apenas porque respiro
E quase…quase que vivo
E o quase..quase…que acabo de matar
A hora que demora a passar
E é já futuro
E o que sonhei ainda é apenas um poema
E eu
Quase
Quase…quase improviso
E o quase quase a comandar
E a hora que demora a passar…neste quase eterno
Que finda
Que vive
Que morre em todos os poemas inacabados

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

UMbilical



As palavras escoam em espiral queda livre
Desaguando no silencio final do eco
Depois de tudo
Depois de nada
Enrosca a ilusão da óptica
No centro do ventre
Onde apenas as gotas de suor se acumulam
E nesse lago bebemos antes da seca
Armazenando a vida
Que existia em oásis apenas nos olhos
E de saliva molham-se os lábios
Entreabertos
Ressequidos
Numa passagem lenta da língua
Traduzindo o que se pensa
Para a língua universal do gesto
E nesse entendimento unem-se vontades
E corpos
Nus
Em constante mutação
Evolução desumana
Mesmo sem cama se deitam
E dormem
No centro de mim
Cortando o cordão
Que deu vida a uma outra criatura

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Já não há cartas de amor




A pena com que escrevo
Desenha a força das minhas dores em linhas rectas
A audácia do meu desejo em círculos
A doçura das palavras que não digo
Em pontos finais…
E todo o silêncio
Em horas e horas de ausência
Quando espero na página em branco…
A pena com que escrevo
Seca agora
Por não haver mais beijos molhados
E as lágrimas caírem transparentes
No coração vazio
Onde antes se enchia a pena de cor
Para que escrevesse as formas do teu corpo no meu
E em cartas de amor
Se juntassem todas as linhas que formam as palavras
Quando escritas com pena
Por não poderem ser ditas de outra forma

Haja Deus




Não sou crente
E rezo para que exista aquela hora
Em que nasce o ser supremo prometido
Da virgem
Pura e virtuosa criatura
Que em nós existe adormecida
Na espera da visão alucinada
Que conceba a força determinada
De mudar o mundo em que vivemos
E nessa crença escondida
Deitamos a consciência
Deixamos nas mãos ausentes
O presente
Do futuro que desejamos
Profanos
Seguimos libertos do pecado
Até darmos à luz…a nossa verdade
E cairá a cruz que carregamos
Num milagre tão humano
Como o parto do menino
Que nasce depois do acto
De dois corpos mortais
Em êxtase

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O fim do Verbo


Quando se afogam as palavras
Aflitas em agonia no peito
Lanço-lhe a corda
E pela mão
Puxo em frases escritas
Todo um leito
Quereriam morrer novas ainda
Talvez um suicídio eu abortara
Mas por ama-las
Só por ama-las
Mataria eu pela própria mão
E morreriam todas de outro jeito
Agora beijo-as
Na tentativa vã de reanimação
Soluço a agua
Tomo o pulso
E morrem lentamente no momento
Luto
Sem pranto feito
Já não importa
O tempo urge
Na cama as deito
Silencio
Aqui jaz
A palavra
Sem descanso
Eternamente pretérito
Num presente mais que imperfeito

..


A poesia
É a linha e o espaço
Que abriga os pássaros encantados
Na união dos cantos íntimos
Quando surge a melodia
Em acordes dedilhados com as unhas
Na pele que vibra
Sopros entre os dentes
Sobre os cabeços
Pausas na ponta da língua
Em espera

A poesia
É um bater de asas
De voo acrobático
Quando todas as coordenadas foram baralhadas
E cai na rede
A palavra
Em versos
Soletrados a medo

A poesia
É a hora H
Como bomba
Rebenta nas mãos do incauto
Deixando surgir a falta de pontualidade
De astúcia e cautela
Denegrindo a imagem que se quer manter a custo
Do reflexo social onde nos olhamos
E nesse momento
Acontece o inesperado
Surpreendes-te
Com a realidade
Do que és
Em estilhaços

A Poesia
É pura invenção
Só os loucos afirmam a sua existência
E talvez por isso
Sejam felizes
Sem terem escrito um único poema

...


No enleio
Das palavras que penso
Não digo
E escrevo
Perco-me na busca
E à deriva surjo
Boiando no leito do rio que corre sem rumo
Arrastando em minhas margens
O novelo
Do que sou
Sinto
Penso
Duvido
Talvez a única forma de fazer sentido
Seja enrolar as palavras
Como quem enrola sonhos
Polvilha-las com açúcar e canela
E degustar o momento
Em que se desenrolam entre a língua e o céu…da minha boca.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

...



Senta-te
Olha-te no vazio dos olhos fundos desse espelho
Sorri
Ou aprofunda a expressão do rosto que marcam os veios em torno dos lábios
Isso
Agora risca a sombra desse olhar
Lambuza de branco a envolvente das palavras
E no centro o rubro fingimento
Nos lábios que nada expressam de verdade
Coloca a bola no nariz
Perfeito
Nas maçãs podres do rosto
A chapada
Dando aparência ao contraste
Com as mãos
Essas mãos que agarram sem grande convicção as coisas
Penteia a falta de cabelo
Disfarçando brancas com a cor do imaginário
E cobre as ideias de liberdade
Com um chapéu de palha
Da que antes as andorinhas fizeram ninhos
E imagina a primavera
Na única flor que brota
Papoila em ramo de espiga
Dando à tua imagem o ridículo da visão dos outros
Veste-te agora
Esse corpo mais frio ainda
Depois dos remendos
Bocados pouco uniformes
Disforme também no padrão
Que não segues deliberadamente
E nos pés
Os descalços sapatos
Que pisarão o palco em passos pouco aderentes
Mas antes de ires
Olha-te novamente nesse olhar fundo do espelho
Apenas para que não te restem mais reflexos
Que esse
Viver assim
Até que a morte te separe
Do palhaço que há em ti

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Balões sem fala









Pensava a cores
Como de cores lhe nasciam os sorrisos
Não eram sonhos, não
Eram pensamentos em forma de balão
Qual personagem de BD
Pensamentos visíveis
Nos olhos
Nos lábios
Nas mãos dançarinas
Nas palavras traquinas
Em pequena era assim
Gaivota
(nome que lhe deram por ser franzina e qualquer brisa a fazer voar)
De pernas finas
Mas agora lembra que voava
Não por ter asas
Mas por pensar em forma de balão colorido
E agora
Quando o tempo é de gaivotas em terra
Por vezes quebra
Cai
Acinzentam os pensamentos
Chovem mil tormentos
Mas
Logo logo sorri
Em balões de fala colorida
Por saber ser assim
Invisível a cor da vida
E haver balões que enchem com a imaginação

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Só...Rio


Só-rio
Na corrente do leito
Enquanto nada a força da ausência
Do corpo com ancora
Como objecto vazio abandonado
Só rio abaixo
Porque nos lábios húmidos entreabertos
Falta a profundeza do sorriso
Quando num beijo se afogam todas as almas
Sem foz onde se possa amar
Mas onde todos os sonhos vão morrer
Nascendo apenas porque num rio só
Se juntam todas as gotas da solidão
No mesmo leito incerto
Onde se deitam todas as palavras
Em correntes desancoradas
Dando liberdade a todos os afluentes
De se transformarem na junção
De abraços líquidos
Só-rio
E abrem-se os lábios num beijo
No sorriso em agua desfeito
Ficando nas margens os seus destroços