Com_traste

Com_traste

quarta-feira, 14 de março de 2012

As palavras são umas gajas fodidas





Vendem-se a qualquer mão
Dão-se sem condição
E são usadas
Abusadas
Matam
Beijam
Amam
Ferem
Quem as vê bem alinhadas
Na esquina do pensamento
Julga serem livres como o vento
Que voa e corre por ai
E uma delas ri
Ou ver que nos faz confusão
São vidas de perdição
À espera de reencarnar em nós
Quando as tomamos
Sem antes ousar pedir
Deitam-se como putas
Fazendo o que cada um quis
Mas são elas quem comandam
Sem preço que pague o uso
No fim da história
Revemos como memória
As palavras tantas vezes desgastadas
Usadas por tão triste condição
São dores
Entranhas
Que fingimos ser estranhas
Por vergonha de nós
São amor em decadência
Chorado em sílabas e silêncios
São tantas vezes tormentos
Outras pura aberração
São prazer
Mais que cama
São pão
Bebíveis signos sem terra, ar ou agua
São gente descontente
Ou apenas
Coisa ausente
Que do nada surge
Criação com arte
Ilusão e fantasia
Magia
Actriz sem papel
Basta-lhe o palco da mente
E caso te atrevas a pensar que não são tuas
Uma a uma se insinua
De corpo sensual
Qual mulher fatal
Que nem sempre ama quem a ……






Degustação


Gosto da espera
Do gosto
Que sei esperado
O copo vazio guarda a gota
Que prova a prova
Do vinho espremido do bago sagrado
E a marca dos lábios
Depois do acto
Comprova o facto
Do crime bebido

Gosto do gosto
Da espera
Que sei gozado
A hora que passa
A mãos dormentes
O copo que olho
A gota ausente
O facto imputado
Mente
Na marca dos lábios
Um beijo com-prova
O teu álibi

Visões


De olhos tapados pela ousadia
Lembro que via
Ou lia
Naquela hora
Em que deitavas fora
A nossa paixão
E cobrindo o rosto
Os lábios em espera
Fazendo-me ver
A louca quimera
Bebia em gotas
Salgado mel
E nas linhas da mão
A sina da pele
Tapa-me do frio
Da falta de um corpo
Cega-me a alma
Cobre-me o rosto
E serenamente
Revejo tudo
Como se o futuro fosse um filme mudo
E sem sentidos
Apenas o tacto
Na pele dos dedos
Na ponta da língua
Tenho a visão do fim do mundo
E o teu gosto

















Sem-ti-mento


Corpos mudos no cru do olhar
Garrafas vazias no fundo da alma
Agora ela ria
Sorria sem jeito
Na noite mais fria
Na tarde mais calma
Corria em vão
Seu pensamento
Perdia-se sempre
No suspiro poluído
Um cigarro amigo
Um beijo ausente
Fosse frio ou quente
Que lhe tocasse a carne
O peito
O ventre
Que viesse agora
Dançaria nua
Na mesa do canto
Ou no meio da rua
Sentia-se amada
Mesmo por momentos
A sombra olhada
Matava tormentos
Sabia de cor aquelas andanças
Arisca sorria
Alongava a espera
E na hora certa
Engolia em seco
Rendia-se à morte
Do prazer do leito
Depois outro dia
Juraria sóbria
Não voltar a amar
De noite
A sombra

Dicotomia


O pensamento no muro dos lamentos
Publica os segredos guardados
Gritos libertados sem prisão
Ousadia ou despudor
De quem mostra dor
Sorrindo
Prazeres sem carne
Ilusória luxúria
Mão no peito que morre
Sexo de coito paralisado
Num acasalamento por procuração
Sémen em chão fertilizado
Filhos ausentes do ventre
Crias sem peito pedindo
Orgasmos combinados
Encontros desmarcados
Fome que come
Come e come
E quem come fome sentindo
Contradição
Do amor sem paixão
Do corpo sem alma exibindo

Déjà vu


A mesma ousadia
A mesma imagem dura e fria
A mesma euforia

A mesma plataforma
A mesma forma
A mesma melodia

A mesma mesa
A mesma agua do banho
A mesma noite vazia

A mesma emoção
A mesma devoção
A mesma possibilidade

A mesma carne
A mesma boca
A mesma maneira louca

A mesma história
A mesma mensagem
A mesma espera

A mesma via
A mesma vida fria
A mesma esperança

A mesma visão
Mas já fora de mão
Rotunda confusão
Ilusória crença
Óptica apaixonada
Na repetição
Vê reflexo do que foi


A mesma…é outra
Vendo nada
Déjà vu
Tudo





segunda-feira, 12 de março de 2012

Metamorfose


Será que dói a transformação
De um ser em outro ser irmão?
Imaginar que a minhas mãos serão asas
E o meu corpo apenas a união
É pensar que tudo será mais perto
Tudo será um local de possível poiso
Mas o tempo
O tempo da espera é doloroso
Por não ser possível alterar a essência
E essa em mim é impaciente
Tudo poderia ser já
Agora
Aqui
Ficar enroscada em mim num casulo
Alimentar-me do sabor dos meus restos
Despir-me da pele
Cobrir-me de vento
Leva tempo
E eu
Queria voar já por ai…

Inércia


Preciso de aniquilar os dias inúteis
Que não param de acontecer em cadeia
Trazendo grades que castram a liberdade com que nasci
Preciso de matar o meio dia
Mal ele esteja aninhado naquela hora
Antes que seja tarde
E matando um dia a meio, um dia inteiro se acabe
Preciso de programar o crime
Logo que a noite anterior tenha caído
E em vez de nascer um dia inútil
Nasça num dia
Tudo o que a mim foi prometido
Na sina
Que desenhei a carvão na pele
Lê-se de forma legível
Matarás
Agir é teu castigo

Memória


De noite
Bem à noitinha
Quando ninguém mais estiver acordado
Parto em viagem rumo a não sei onde
Levando não sei o quê
Dentro de mim
E clandestinamente
Entro na primeira carruagem
Que de tão vazia me aconchega
E olho pela janela
Mesmo antes das casas, arvores e pessoas
Passarem à pressa do outro lado do tempo
Para fingir que tenho memórias
Que se despedem de mim
Na porta da estação iluminada
E acenam
Lacrimejando saudade
Gritam para que dê noticias logo que chegue ao destino
Eu
Estática
Finjo guardar a dor da partida
Inteira me sentindo
Por ir para não sei onde
Levando não sei o quê
O tempo do cigarro é eterno
E na estação fantasma chega o dia
Escuta-se um alvoroço sem gente culpada
Apitos anunciam a partida e a chegada
Sem linhas para que haja destinos
Eu
Na primeira carruagem
Fumo o eterno cigarro
Escondendo na mão fechada
O passe plastificado
Que deixo cair ao fazer adeus
Num gesto instintivo
Que nasce com quem vem com a sina de partir
Para não sei onde
Levando não sei o quê
Sento-me
De costas para o lado da frente do destino
Aguardo o revisor
Com sorte serei reconhecida
E mesmo sem livre transito
Me deixe seguir no mesmo lugar
Incumprindo a regra social de ar puro
No recinto aberto pela janela
E quando chegar a hora
Parta
Como todos os outros ausentes
Que foram para não sei onde
Levando não sei o quê
De mim

Paixão


Era na primavera que ela chegava sempre
Trazendo nos cabelos as flores dos jardins
E nos olhos a cor dos teus
O quente, antes ausente
Vinha nas suas mãos em concha
Como agua que se junta num pote
Para matar a sede ao moribundo
E chegava fresca
Solta
Sorrindo
Fazendo encher o nosso peito de um ar novo
E parecia simples a vida
Como se mesmo sem ninho
Fossemos capazes de nascer um do outro
Nas folhas que antes cobriam o chão
E agora verdes decoravam os ramos das arvores ressuscitadas
As lagartas em mãos de fada
Criavam asas de ilusão
E eu desejava ser a espiga
Que no teu corpo vira pão
Tuas mãos as mós do moinho
Que transforma a matéria na sua condição
Era na primavera que ela chegava sempre
Trazendo as andorinhas nos olhos negros
E no peito um coração desenhado
Em voos
Por não ser possível prender os pássaros
Livres
Os Homens
Quando amam
E ela
Sempre que chega a primavera

Desnuda


Dispo as palavras de pudor
Tímidas
Doridas
Nuas esfriam
E entrego o seu corpo assim
À tortura do silêncio
Insensíveis mãos
Que despem a alma
No vazio que ficou no quarto
Onde roupas caídas fazem cama
No momento
Descontrolados corpos
Insensatos corações
Entregam-se quase mortos
No gozo libidinoso
Que nos retira da realidade
Temporariamente
Não mentem
Escrevendo o prazer cru
No nu dos olhos
Quando lês
O que me vai na alma
E depois te calas
E me emudeces
Aguardando a hora em que o sol aparece
Para enganar a vergonha que cora o rosto
Que se soltou das palavras despidas
No momento da verdade
Que se assume uma ou outra vez

vício


Acabaram os cigarros há muito
E no nervosismos natural do dependente
Desejo matar a falta
Da substância que me percorre o corpo
Cada vez que inspiro

Lembro-me dos teus beijos
E erro fatal
Qual overdose de nicotina
Nos meus dedos manchados desfaço a mortalha
Vazia
Num gesto duro e seco
Comprimindo os lábios

Lembro-me dos teus olhos
Suicídio
Fecho os meus como lápides
E prometo a alma a um Deus
Com rezas no fundo de mim
Na única crença que possuo
Tu

Lembro-me do sabor do tabaco
Com que depois do amor
Nos matávamos
Salivo
Gemo
E num orgasmo
Morro de desejo por um único cigarro
Que fosse
E é com prazer que me findo

Fumar mata
Epitáfio
Escrito na caixa de cigarros vazia
Cheia agora de mim
Em fumo

Voz manuscrita


Hoje escrevo noite fora
Eu podia falar de mim mas seria inútil
Não sei falar de mim sem que me tremam as penas
As mãos
O corpo todo se confunde
Parecendo ficar com medo do que eu diga
Por vos saber incapazes de entender as palavras ditas sem conexão
E eu escrevo noite fora
Com a mesma voz que falaria
Mas parece que por magia
Escrever sem nexo faz sentido
E assim ninguém me vê tremer
E o meu corpo não se amedronta
Por fingir ser um outro
Ser corpo de palavra
Assente em papel
Encostado à margem da personagem que pensam que sou
Ou do autor anónimo que assina no fim
A quantidade de juízes
Proporcional à quantidade de olhos que me olham quando falo
No dobro feito pelas contas dos meus dedos trémulos
Agora desaparecem
E até quando são os meus próprios olhos juízes
O meu corpo finge-se morto
No sorriso eterno
Encolhendo os ombros
Como se eu já não fosse eu
E o meu corpo não identificado
Nas palavras que como lápide
Gelam aqui
Já não se importa com o que eu diga
Ou com o que vocês pensam

Subversiva


Clandestina de mim
Escondo-me receando o castigo
Da outra acomodada
Da outra mutilada
Ausente
Presente em grupo
No social pouco sociável
Na urbanidade do ser provinciano
Escrevo panfletos subversivos
Que dobro qual origamis
Pássaros dos meus olhos voando por ai
Aviões que transportam loucos para o outro lado
Ou apenas cartas em forma de coração
Que meto por debaixo das portas sempre fechadas
Por não terem gente
Por terem tempo acabado
Marco a revolução para o outro dia de manhãzinha
Com senha tirada em fila de supermercado
Sem que ninguém saiba a sua sorte
Talvez apareçam alguns incomodados
Os que não sabem bem ainda quem são
Porque na minha revolução
Não há homens com certezas
Nem homens com razão
São todos aqueles que ficaram do lado de cá
Da barricada feita com as mãos
Escondendo apenas o verdadeiro rosto
Deixando matar o corpo
Em qualquer cama
Morrendo por amor de perdição
Até que chegue a hora da liberdade
E quase sem saberem
Chegam comigo
Gritando as palavras que inventei sem ordem
Chorando as minha lágrimas
Comendo do meu pão
E juntos seremos muitos
Contei tantos quantos os gritos que calaram
E mandei seguir em frente de braço erguido
Somos gente
Somos loucos
E a bandeira era apenas a minha vontade
De ser algo mais que apenas bicho
E neste meu grito de liberdade
Matei a solidão
E o meu castigo

Teia


Sei que sabes
Os fios que nos prendem
As lembranças enlaçadas com prazer
As memórias enfeitadas com desejo
Sei que sabes
O quanto salivo ao ver a presa
E balanço na teia como bailarina
Antecipando o sabor do momento em que trinco
E brinco
Lentamente com a ponta dos dedos
Tecendo nós
Nua
Tua
A teia
Presa ao canto da minha voz
Na atracção fatal
Que nos levará ao ultimo suspiro
Uma e outra vez
Enfeitiçados
Pelas linhas cruzadas dos corpos
Na teia que nos prende a nós

Aviso


Não precisas de vir na ponta dos pés
Pisa o chão em alta voz
Faz vibrar as cordas
Em melodias de alvorada
Não precisas de bater
Entra de repelão
Abre de par em par as janelas dos meus olhos
E a porta do meu quarto
Não precisas de falar baixinho
Grita todas as palavras com teus olhos
Para que eu as escute com os meus
Não precisas de aviso prévio
Beija-me
E desarruma os meus lábios como antes
Que nada fique no lugar
Nem as minhas mãos
Nem os meus cabelos
Alinha os botões fora da casa
E borda novamente o teu nome
Na dobra do meu lençol
Com saliva
Enquanto eu desenho o teu
Com a ponta da língua
No teu corpo
E só depois sussurramos amor em segredo
Para que ninguém dê por isso
Continuaremos ausentes
Em parte incerta dos outros
Presentes
Em parte certa de nós

Chão


No meu corpo
Guardo
Todas as possibilidades
Como terra fértil
Em que se investe
Para ser feliz…

Tempo Morto


Mata o tempo... antes que ele acorde
De forma lenta e dolorosa
Faz seja o que for
Desenha-lhe as horas às avessas
Troca-lhe as noites e os dias
Faz-lhe beber a ilusão da eternidade
Adormece-lhe os batimentos
Talvez esqueça que é tempo
E não sendo aquilo que é…não existe
Mata o tempo triste
Mata o tempo agora
Assassina a sina
Com a mão em que se desenha
Corta a corda dada
Dá-lhe duas ou três laçadas
Para que não gire
Não dê balanço
Dá-lhe um tiro à queima roupa
Esconde-te depois no fumo
Mata
O tempo desgraçado
E depois canta-lhe um fado
Antes que descubram o tempo morto
Se por acaso tiveres azar
E da morte o tempo fugir
Mata a quem ele contar
Ou a quem teimar existir
Tu não tens tempo a perder
Não tens tempo para dar
Mata o morto
Condenado
Mata ou deixa de fingir

Liberdade Condicional


Conseguir sair em liberdade
Depois de presos em braços e beijos de amor
O tempo condicional
Será controlado pela consciência
Da pena pesada a que fomos condenados antes
E durante algum tempo
Somos pássaro cativo
Numa gaiola aberta

Pombos Correio


Havia no meio do nada, duas árvores
Separadas por cidades fantasma
Sombras
Vazios de gente
A árvore, de folha caduca
Vivia no lado de lá
Passava a vida a ser primavera e outono
Num desfolhar de desejos
Esticava o ramos como veias até às nuvens
E alimentava-se dos sonhos
A árvore, do lado de cá
Era de folha perene
Reciclando há muito o papel de que era feita
Carregava livros e livros nos seus ramos
Dando frutos
Como castanhas em ouriços
Alimentando o desejo do imaginário dos outros
Nessas árvores, os pombos aninhavam-se todo o ano
E davam asas às palavras dos loucos
Conta quem viu
Que os pombos trocavam de árvore duas vezes no ano
Levando do lado de cá para o lado de lá
Segredos
E do lado de lá para o lado de cá
Cartas de amor
Os loucos que viviam nas árvores sorriam
Por se saberem cúmplices da fantasia
Em todos os Loucos há uma árvore
Com pombos correio

Picos


Chegas
de uma forma simples e aberta
pedes-me que te mostre o invisível de mim
mostro-te as mãos cansadas
que negas
o corpo em chama
que afagas mas não possuis
mostro-te as rosas
as rosas com que me piquei esta manhã ou tentar florir o meu peito
e tu nem olhas...
pedes-me mais
queres tudo
e eu tremula
estendo as mão vazias
e dou-te o nada que me enche
olhas-me
sorris como quem sorri a uma criança
e pedes-me as palavras
todas as palavras que me formam
mesmo aquelas que nunca soube dizer..
por me perder em dias silenciados
na vozes dos outros
e tento
a medo
mas tento
e com o mesmo sangue que tingi as rosas
escrevo-te agora
todas as palavras...que me doem
como picos...bem dentro de mim
...

Naif


Ela era assim
Como obra de arte acabada à pressa
Andar desengonçado
Boca desenhada em traços nervosos
Olhos de criança
O seu ponto negro
Era um eco
Do seu espírito ecológico
E o ambiente em seu redor
Canalizava os resíduos para o seu ponto
Produzindo o eco
Que como eco ponto era colorido
Contrariando o negro
Que lhe enchia a ponta do nariz
Era uma mulher na casa dos trinta
Naquela rua os números de policia
Eram todos pares
Para andarem acompanhados nas ronda nocturnas
O nome era Graça
E estranhava que lhe perguntassem a sua com ela na boca
A sua simplicidade era cativante
E prendia por deixar livre as aguas que lhe rebentava constantemente
Vestia vestidos
Pela dificuldade em entender como raio vestiria ela um fato
Se o acordo era um facto consumado
Usava meias de liga
Sem nunca ter jogado em qualquer divisão
Sabia de cor a cor primária dos olhos do seu amado
E ostentava o diploma do curso que seguia outros rios
Sem presunção
Com ingenuidade
Dava-se como quem gera um filho
Concepção de geração espontânea
Criava como dom divino
A obra
Da graça
Do seu espírito

Tãntrico


No fundo negro do quarto
Há dois pontos acamados
Em conversas infindáveis
Diálogos gestuais
Passando em roda pé
Da parede forrada a papel florido
Que nascem em todas as primaveras
Que se sucedem sucessivamente
Em redundância
Apenas para repetir a ideia do tempo marcado
Quando se muda de estação de metro
Mudando a cor da linha
Cosendo em ponto cruz
A passagem subterrânea
Dos diferentes destinos
Que se cruzam
Em pleonasmos
Repetidos
A gosto
Sem espaço
Agosto
Mudando a estação
Para que sequem a flores
Do papel da parede do quarto
Que aquece em roda pé
Suando os gestos
Dos dois pontos
Que procriaram
Num parto normal
De dor
Que o amor causa
E três pontos agora
Continuam incansáveis
As conversas
Até que …

(nota de roda pé dois pontos a imagem é deliciosamente tântrica)

Tétrico


Morreram os beijos e os abraços
A dor em prantos lavrava o rosto
Semeando flores secas desmaiadas
O olhar vestira de negro
E em seu redor zumbiam coros de lamentos estranhos
O que acontecia agora eram repetições em slow motion
Num projector de memória remota
Imagens passadas tomavam vida com outros personagens
O actor principal repetiria o seu decorado papel
A luz ao fundo
De um corredor da morte imitando um túnel
Dançava tremula com o sopro do vento norte
O cheiro das velas era nauseabundo
Provocando-lhe o vomito dos resto da paixão
Que expelia contra o próprio ventre
E em posição fetal
Deita-se na campa aberta no seu peito

Compulsiva


A escrita que me impele para ti
Em ondas de linhas disformes
Como almas desassossegadas
Procurando guarida
A pena
Desenha as linhas da tua mão
Como destino
E as letras brincam em carroceis mágicos
Por te saberem inseguro
O sentido perde-se
Bastando um simples trocar de lugar
E a fatalidade deixa de ser obrigatória
A não ser que…
Insistas em as deixar eternamente perdidas
Em ti
Por não conseguires escrever a palavra certa
Da forma certa
Sem tremer…

Trava línguas


Me gusta la forma hermosa con que me dices cariño
Me gusta quando me falas com a língua que não domino
Me gusta a palavra amor em tu língua
Me gusta a língua da tua palavra
Me gusta a lingua na lingua
Me gusta
Habla!
Cuando hablas siento como un beso
De linguas traduzidas
Na palavra sem fronteiras

(escrito com base num novo acordo :O)

DiaLogo


Penso que logo o dia traz a minha existência
Não fosse a noite, quando me penso mais
E não duvidaria do pensamento, de amor e amizade, que contem a filosofia que nos levou até aqui como sábios
E neste dialogo de surdos
Cremos em nós todos poderosos
Apenas porque existimos
Pensamos
Ou porque pensamos
Existimos apenas
E as ervas crescem
Reproduzem-se
Com o único pensamento
Existir
A felicidade de uma planta
Estará no seu pé
Que a segura à vida
Ou na flor que cativa as borboletas
E se abre ao sol?
A solidão da erva daninha
Tentando fugir ao corte pela raiz
Será ela menos feliz
Quando vive?
E o bicho do mato
Ou o bicho que mato
Ou o bicho que conto
Ou o bicho que visto
Ou o bicho que sou
Pensarão como tudo aqui chegou?
Terão eles um Deus amado
Uma fé
Terão eles a loucura ?
Ou serão apenas felizes
Enquanto respiram
Sem pensar na morte
Ou no próprio pensamento
Quando caçam
Amam
Pensarão o quê do facto?
Eu penso que
Amanhã talvez exista
Se os outros pensarem em mim
E eu sem pé
Ou flor
Talvez sorria…apenas
Porque enlouqueci

A Coisa


Era assim uma coisa
Ela
Um tormento
Um ai
Um ui
Uma inquietação, sem lamento
Uma opção, sem decisão
A coisa
Era assim um estado de alma
Um ser-se
Um estar
Uma forma
Um Eu
Uma singularidade com plural
Uma vivência sem ser vida
A coisa
Era uma querida
Uma louca
Uma ousada
Uma fera amansada
Um amor sem amante
Uma dor sem doença
A coisa
Era uma crença
Na existência
Na vida
Era fúria
Era calmaria
Era bolo em banho Maria
Impulso
Intensa
Uma porcaria
A coisa
Existia
E morria em cada dia não
A coisa era contradição
O querer
O não querer
Era um espaço ocupado por vazio
Era o mar sem haver rio
Um lago
Uma gota
Um nada
A coisa
Era tanto
Um tudo
Uma imensidão
Era paixão
Era vontade
A coisa
Era a ausência do nome
Por já ter nascido tarde

A última ceia...até à próxima


Chegas
Faminto
E sem arte de cozinha minto
Colocando a mesa de forma combinada
E quando te sentas
E me tentas
Sirvo o prato toda aprumada
Esperando que degustes lentamente
O prato quente
Sopro
Antes da dentada
Metes o dente
Língua afiada
Tiras a pele que mente
Provas da carne
Sorris com prazer
Sirvo-te o vinho na taça mais pura
Matas a fome
E a sede perdura
Lambes os dedos
Comes à mão
Engoles migalhas
Limpas-te ao pão
E no fim o doce
Sem usar colher
Lambes os lábios
E chamas-me… fruta
E fumando um cigarro
Bebemos café
E antes da cama
Um passeio a pé

Cega-me


Cega.me
A luz do dia
Eu quero apenas escuridão
Talvez eu quisesse ver um outro dia
Outro sim
Este não
E como os meninos pequenos
Tapo os olhos para não ver
De mãos abertas no rosto
Esperando até o dia se esconder
E se continuar a fingir
Quero um lenço como venda
Para apertar bem forte e sentir
A luz que com a escuridão me entra
Cega-me
E sem ver talvez entenda
Para que servem os dias
Assim
Sem a luz das noites
Sem a lua que me tenta
Para que brinque outra vez à cabra cega
Cega-me