Com_traste

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segunda-feira, 12 de março de 2012

Memória


De noite
Bem à noitinha
Quando ninguém mais estiver acordado
Parto em viagem rumo a não sei onde
Levando não sei o quê
Dentro de mim
E clandestinamente
Entro na primeira carruagem
Que de tão vazia me aconchega
E olho pela janela
Mesmo antes das casas, arvores e pessoas
Passarem à pressa do outro lado do tempo
Para fingir que tenho memórias
Que se despedem de mim
Na porta da estação iluminada
E acenam
Lacrimejando saudade
Gritam para que dê noticias logo que chegue ao destino
Eu
Estática
Finjo guardar a dor da partida
Inteira me sentindo
Por ir para não sei onde
Levando não sei o quê
O tempo do cigarro é eterno
E na estação fantasma chega o dia
Escuta-se um alvoroço sem gente culpada
Apitos anunciam a partida e a chegada
Sem linhas para que haja destinos
Eu
Na primeira carruagem
Fumo o eterno cigarro
Escondendo na mão fechada
O passe plastificado
Que deixo cair ao fazer adeus
Num gesto instintivo
Que nasce com quem vem com a sina de partir
Para não sei onde
Levando não sei o quê
Sento-me
De costas para o lado da frente do destino
Aguardo o revisor
Com sorte serei reconhecida
E mesmo sem livre transito
Me deixe seguir no mesmo lugar
Incumprindo a regra social de ar puro
No recinto aberto pela janela
E quando chegar a hora
Parta
Como todos os outros ausentes
Que foram para não sei onde
Levando não sei o quê
De mim

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