Com_traste

Com_traste

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

ESPERAnça

A espera sempre foi leviana
Traz um bafo de euforia alcoolizada
Num grau quase impossível
Nela
Sentam-se todas as hipóteses
E ao logo do tempo solidificam-se estátuas nuas
Biblelots que decoram os corredores vazios
Num labiríntico sorriso
Que se percorre com a ponta da língua
E quanto mais se espera
Mais a espera inebria
Indo da euforia à pura loucura
Vê-se ao longe o que há-de vir
Mesmo que nunca vá chegar
Despe-se o que se irá vestir
Diz-se o que nem sonhámos falar
E continuamos sentados
Deliciosamente
Em espera...
Talvez porque ainda tudo é possível
E foi assim que pela primeira vez surgiram os orgasmos múltiplos


À lá minuta




Quis-te à pressa
E a preto e branco
O tempo que te criou fugidio
Nasceste de sete meses
Num colo que não te embalou para te amamentar
Do pão, a côdea era o brinquedo sempre à mão
Matando o sonho e a fome do menino
Sorriste
Porque nesse tempo nem havia passarinhos
E da pólvora viste mais que a luz ao longe
Brincaste à guerra matando outros meninos
E do sangue escreveste a carta à amada
Estou bem...dizias quase em forma de pedido
Todos os dias penso nos teus olhos negros...e ao escreveres, negra era lágrima em teu rosto
Diz à minha mãe que a amo...e aqui a letra era firme e desenhada com todas as formas primárias
Selavas a carta com a saudade a salivar
E aguardavas as noites para poderes entregar em mãos a missiva
Os dias eram longos
E breves os abraços camaradas
Pedias em surdina aos teus olhos que não chorassem
Eras homem
E eles obedeciam num sorriso liquido que só tu entendias
Sentias-te forte cada vez que respiravas
Como só por isso a bandeira da pátria ondulasse
Davam-te louvores
Mas tu no peito só prendias as dores
E da guerra a hora que terminasse
Um dia, já sem horas reconhecíveis
Deixaram-te partir
E a alegria foi um flash
E de olhos cerrados partistes
A preto e branco
Chegaste
À lá minuta...
Porque tardaste liberdade?
Disseste-lhe olhando-a sem vistas
E ela pedia que lhe lessem a ultima carta
Para esquecer que fora a primeira...

ContAbilIdade


A arte de contar o tempo em anos
Entrelaçados nos nós dos dedos
Em tranças de menina
Nos tics tacs de máquinas
Outrora o 1º relógio de pulso
Logo mais a calculadora
Que soma amores
E dores
Que subtrai tempo
E vontades
Para no fim ser a que mantém a vida por um fio
Um on por obrigação
Um tempo esticado ao segundo
Um off por amor de Deus
Caso haja amor profundo
Mas arte
De contar tempo antes de partir
Está na habilidade do conto
Desde a princesa que nasceu de beleza fadada
Ao príncipe que se desencanta
Está na forma como se dança
Anda
Sonha e se adormece
E se brinca ao esconde esconde
Contando a fazer batota
Ou se espreita por uma fresta
Pensando que ninguém vê
É rir e fazer uma festa
Da queda
Da dor de burro
É apanhar borboletas
Sem rede que aprisione
E subir ao mais alto pinho
Porque nela subiu o gato
Ter medo de gafanhotos
Arrepiar com lagartixas
Brincar ao pica pica
Já a fazer meias de renda
Do xaile fazer a tenda
Para esconder o bicho homem
E no altar esconder a mão
Como ao jogar à sardinha
Ao parir querer ter menina
Porque sendo a primeira convém
Crescer sem saber porquê
E envelhecer com jeitinho
Sorrir e fazer beicinho
Que o feitio não se muda
Olhar ao longe e querer ir
Sabendo que nunca irá
E sonhar até bem tarde
Noite fora
Dia dentro
Ser maior que o pensamento
Que a torna já velhinha
E ela sempre menina
De laço e fitas de seda
Quem vê
Conta-lhe as rugas
Quem a sente
Conta-lhe histórias
E ela já é saudade
Ela e ele ainda petiz
E pelos dedos conta feliz
Conta certa por um triz
Conta hábil a idade


Fuga

Pegou na faca
No pão de ontem
No naco de queijo bolorento
Nos restos do toucinho rançoso
Num talego bafiento

Do bolso tirou o rato a quem deu o queijo, o toucinho e o pão
No talego guardou a mão

E cortou os pulsos

Os jornais de amanhã
Falam dos suicídios no Alentejo
Algo digno de estudo

Com a ultima gota, um ultimo pensamento
"Se os filhos da puta soubessem o custa viver a fugir da ratoeira!"





Até já


E se o tempo que passa não contasse?
Se apenas contasse o tempo que fica
Na pele
No pensamento
No suor
Nas dores
E que todo o tempo que faltasse
Fosse tempo que se marcasse com beijos
E se o que hoje acaba não findasse?
Fosse apenas ali num "volto já" como aviso
E depois de quase nada ele voltasse
E em ti e em mim recomeçasse
Tempo novo
Do tempo ido nascido
E do tempo inteiro que passou
Deixasse apenas aquela hora
Anos em minutos na memória
Sem querer saber do outro tempo que foi e não voltou
E se o amanhã chegasse antes?
E nos apanhasse desprevenidos
Seria um tempo hoje distante
Um tu e um eu desconhecidos
E se do tempo nada sobrasse?
Dele aproveitaríamos tudinho
Desse tempo nada restasse
E sem nada que sobejasse
Todo o tempo era tempo pequenino
Mas os dias são contados ao minuto
E destes fazem-se horas intermináveis
Dos anos
Fazem-se os velhos e o cansaço
Da vida
Tempo que se conta pelos netos
Rugosos olhos
Magros dedos
E nos brancos cabelos
A falta de memória
Ou história
Ideias soltas de um tempo que passou...quando eu era pequenino.











Sol Maior


Da música, quero a linha onde se deita o sol
E depois dela
Quero o tempo da pausa entre o dó de si
O toque dedilhado nas cordas vocais
Quando soa um sopro
Em suspiro
Um Ai
No peito cheio
Um Ui
A sair no fim
Da música, quero a sonata
Em mi-menor num crescendo
E depois dela
Quero o silêncio pleno
Numa audição sensorial
De erudito artista
Que escuta o sol a pôr e a nascer
Da música
Quero o agudo do grito
Numa onda pelo meu corpo em melodia
Ao ritmo por ti imposto num solfejo
Da música
Eu quero ainda a semibreve... ausência de um beijo

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Crucifica-me


Crucifica-me
Depois, mas só depois de eu pecar
Quero de benta água beber até me embebedar
De farta mesa me engordar
Olhar-te
Olhar-te
Olhar-te
E não parar de cobiçar o teu corpo
Abusar de ti
Degustar de ti
Lamber de ti
Até me cansar
E dançar descalça no teu ventre
Num ritual sagrado só nosso
E fecundar o corpo com seiva abençoada
Matando o prazer condenado
Doar o corpo amaldiçoado
E rezar com fé em ti meu Deus
Depois quero que me absolvas
Apertando os pulsos ao tronco em cruz
E nua
Tua
Me entrego
Num calvário que me dará a salvação
Depois que ressuscite
E possa reencarnar em ti...uma e outra vez
Em pecado

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Volátil

Ainda não era meio dia
E ela acabava de se deitar
Quando chovia ela sorria
Ao sol sentia-se molhar
Era quase sempre à noitinha que escurecia
Ficava sombra
Silêncio
Fingia-se lua em quartos
Estrela no fundo do mar
Temia a solidão
Inventou os lobos para que uivassem aos seus ouvidos
O vento
O vento era um sopro do seu coração
Que ela mantinha ameno em tarde primaveril
Fecundando papoilas
Ondulando searas
No outono soprava forte
Cobrindo de folhas todas as palavras das histórias de amor
Logo depois seria furacão
Nas noites em que seu corpo voava
Ainda não era meio dia
E ela acabava de acordar
Num vale
Despertava rio
Espreguiçando-se nas margens
Nessa hora realizava sonhos
E voava em circulo
Desenhando nuvens de algodão doce num céu dourado
E num arco íris invertido
Dava à terra um sorriso
Ainda não era meio dia
E ela fingia-se madrugada
Num canto de um pássaro
A quem abria a gaiola
Juntos conquistavam as tardes e as noites
Porque o tempo tem asas
E ela, ela sabia como voar entre as horas
E dizem que foi assim que o tempo enlouqueceu







Presente




O meu presente é consciente
Real
Verdadeiro
Singelo
Podia ser um presente mais belo
Mas não seria o meu
É tão real que assusta
Um encanto desencantado
Enlaçado com um passado
Num papel perfumado de histórias
E dou o que sempre doei
Um exagero de mim
Um bocadinho de nada
Um cansaço
Uma alegria
Utopia acreditada
Um tempo corrido
Um momento eterno
Uma crença no peito
Uma fúria amedrontada
Uma tristeza
Uma raiva
Palavras soltas de impulso
Uma entrega
Uma duvida
Um punhado de sonhos
Uma mão de desilusão
Um conhecimento de facto
Um erro assumido
Rancor adormecido
Dou um sim e um não
Dou enganos
Dou fortunas
Um pouco de nostalgia
Um eu que vos estendo em mãos vazias
Sem modéstia
Sem rancor
Sem vaidade
Um doce amargo
Um tudo e nada
Um presente
Um ausente
Quiça seja o futuro

Fim de citação!


Acabou-se!
Já não te repito as palavras
Nego voltar a colocar-te entre aspas
Abro a prosa agora minha
Num acto de coragem e loucura
E digo amo-te
Assinando por baixo

E aguardo o : Eu também

Vitoriosa
Mesmo que continue a temer pagar direitos de autor
Ou talvez seja a minha hora de escrever em livro
Tudo o que sinto


Escrituras ruprestres


Houve um tempo em que Deus resolveu inventar o Natal
Nesse tempo ele ainda tinha esperança que nós acreditássemos nos Homens
Houve um tempo em que os Homens inventaram Deus
Nesse tempo os Homens deixaram de acreditar uns nos outros
Houve um tempo em que os animais falavam
Nesse tempo os animais acreditavam na Divindade da Mulher
Uma serpente tentou Eva
Houve um tempo em que a Eva pensou ser Divina
Nesse tempo tentou Adão
Adão não acreditava em Deus
Houve um tempo em que Deus inventou o macaco
Nesse tempo o Macaco tentou Adão
O macaco acreditava ser Homem
Eva acreditava no macaco
Houve um tempo em que se deu o milagre da criação
Nesse tempo Adão, Eva e o Macaco acreditava em Deus
Eva engravidou por obra e graça do macaco
Adão acreditou
Houve um tempo que nasceu um dinossauro
O Dinossauro acreditou nos Homens e convenceu-se que era Deus
Houve um tempo em que os meninos nasciam no bico de uma cegonha
Nesse tempo Deus ainda não existia
Houve um tempo que um menino inventou um cavalo alado
Nesse tempo ele chama-lhe beija flor
Houve um tempo em que o beija for se apaixonou
Nesse tempo nasceram as maçãs
Doces
Vermelhas
E suculentas
Nesse tempo foi inventado o pecado
A gula
A cobiça
A luxuria
Surgiram na primeira dentada
Depois... ninguém sabe bem como tudo aconteceu
Mas alguém inventou o fim do mundo
Eu juro que não fui
Palavra do senhor!

Copy paste

Poderia dizer-te palavras bonitas
Desenhar-te o mais belo sorriso
Inventar o mais sensual beijo
Mas, ou porque morreu a imaginação
Ou apenas porque já tudo foi inventado
Escrevo-te nas linhas da mão
Dou-te um beijo
E sorrimos
Plagiando o amor
Sem pudor
Vergonha
Ou sentimento de culpa
Infinitamente

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O tumulto da palavra indecifrável



Falavam e diziam coisas
Escutavam atentas ignorâncias
Boquiabertas curiosidades
Ouviam e ouviam e ouviam
Os sons
Eram pedaços de ovnis a cair dos céus
Uns protegiam-se contra o possível impacto
Usando expressões de concordância
Ar de douto conhecimento
Anos e anos de experiência na escuridão da sabedoria
Davam cobertura a gestos nervosos
Possíveis delatores da verdade
Outros, menos experientes
Arrastavam mãos impacientes pelo rosto
Cansavam objectos escrevinhadores
Fazendo listas e listas de frases aparentemente inteligentes
Por serem escritas
Um dado já socialmente aceite
O facto de dominar a escrita conferia elevado QI em certos meios
Uma plateia de cadeiras cansadas de corpos cinzentos
Gemia em voz baixa de quando em vez
Impacientes para a hora do recreio
E a palestra continuava em tom exageradamente seguro
Uma ou outra palavra mais vagarosa parava no ar
Centrando em si todos os olhos
Mas logo logo se desfazia em conceito repartido por diferentes abstracções presentes
Seguia-se um desenrolar de conclusões
Provocadoras ideias
Ousadas e castradoras presunções
E no fim
Ao chegar à parte das despedidas cordeais
Escutam-se suspiros
Ais
Aliviadas as paredes sufocadas
De ouvir palavras e palavrões
Sem boca para poder mandar calar
Aqueles que não têm ouvidos










quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Quis a morte


Quis a vida
O destino
O único destino certo, a morte
Quis a morte
Sim, faz mais sentido assim...foi ela que quis!
Hoje, levar-me à presença dela
Alguém que não via há muito, de quem guardo lembranças vagas mas boas, talvez por serem de infância...morreu.
Morreu o Guerreiro!
Primo afastado...mas que senti perto..ali numa caixa de madeira fria, magro pálido, marcado e desfigurado.
Ele, antes deste dia, sempre foram uma pessoa forte, rosto bem redondo e com um grande sorriso.
A mulher, minha prima, representa na terra a bondade...dela tenho sempre aquela imagem que revisitei hoje...boa e meiga..hoje sofrida, chorosa...dor maior que ela...
A filha, prima de quem lembro nos meus tempos de tranças...calma, brincalhona e de uma doçura maior...hoje, ao ver a sua dor..ao pensar em muitas outras que a vida se encarregou de lhe ofertar...talvez por a saber tão doce e só alguém assim poder aceitar certas coisas...hoje, trazia nos ombros um mundo a desabar.
O genro, um homem pequeno, ruivo, de sorriso amigo, sempre está "lá", de voz amiga, carinhoso e preocupado...mesmo quando só nos encontramos em momentos menos bons..e poucos, hoje ...mais uma vez me abraçou e sorriu...a dor dele é do tamanho inverso da sua altura, é do tamanho do seu amor pelos outros.
Hoje, num local onde se encontra sempre a família que nunca se viu, onde os nomes dos avós e bisavós são chamados para clarificar quem é quem..as ruas onde se nasceu e cresceu, as aldeias, as vilas..e as terras que os levaram para longe do ninho, são repetidos vezes sem conta.
Hoje, a morte quis...
Hoje, esta coisa que negamos desde que pela primeira vez a sabemos existir, hoje fez-me olha-la nos olhos...fria, pálida, marcada, desfigurada...e não a temi.
Senti dor, pena, aquela pena consciente de que está na hora...chegou a minha hora de a encarar nos olhos..e hoje foi apenas o primeiro dia, a este seguirão outros, se a ordem das coisas se cumprir, em que não só a vou olhar..irei toca-lhe, mexer-lhe bem fundo beija-la...como quem a possui.
A morte é nossa desde sempre, mas há um dia é que nos tornamos mais íntimos...antes que chegue um outro, em que nos tornamos num só...e nós seremos a morte, mesmo que continuem a chamar-nos Maria..por a morte ter um nome feio quando é dos outros que desconhecemos, e um nome bonito quando é a própria, ou a que conseguimos olhar nos olhos.
Hoje...ouvi as palavras sagradas, que até os não crentes ouvem nesta hora...as tais que comprovam a cobardia dos Homens...pelo sim pelo não...
O padre Roque, idoso, de ar simpático, voz de gente...leu as sagradas escrituras... nessa altura, a forma como pedia que as pessoas se levantassem em determinadas alturas, tendo o cuidado de repetir vezes e vezes..."mas vejam lá, se não puderem ou se estiverem a sentir menos bem...não é obrigatório, não é mesmo preciso!"...fez-me sorrir e ficar mais atenta ao que ele dizia...
Notei que a leitura só se distinguia das habituais pelo tom de voz...não lhe notei grande entusiasmo ao repetir ladainhas...
Mas é na altura em que ele nos fala de Homem para Homem, que não consegui deixar de o ouvir com mais atenção, olha-lo também nos olhos e sorrir.
Terminava as frases perguntando se estávamos a entender o que dizia...e parecia esperar resposta.
Deu razão a Saramago, ao falar de um Deus sádico e castigador...nós os Homens usamos Deus, dizia...e o pior é que o usamos e o ofendemos...não é nome do senhor...em nosso próprio nome.
Olhou os ramos e as coroas de flores...perguntando: quantos de nós ofertámos flores em vida uns aos outros..agora, agora usamos aqueles ramos para nós mesmos..elas não mais significam que um acto de conforto pessoal..à nossa pessoa..uma obrigação social...(mas tal como desculpou os que não se podiam levantar na altura da palavra de Deus, igualmente ao dizer isto repetiu...mas não faz mal...estão a entender? )
Questionou o amor a Deus..como há Homens capazes de acreditar num ser invisível, pelo qual dizem tudo fazer e nada fazem pelos seres que consegue ver todos os dias? Estão a entender?...
Fez-se silêncio e depois falou do amor..e da facilidade como se sabe quem é um Homem bom..
Sorri e nesse momento ele fixo-me....sorrimos!
O Guerreiro que agora é morte...é um Homem bom!
Tenho a certeza! Não que eu me lembre bem dele..não que o tenha visto muitas vezes em vida, em doença...não por ser agora um Guerreiro morto...Mas porque a sua mulher a sua filha, o seu genro...são pessoas tão doces, tão boas..tão raras...e hoje o beijaram...agarraram..chamaram...e ele já magro, já pálido, já desfigurado..já morte.



http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=IBO0ol_3KPU#!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tempus fugit




As minhas horas são tardias
Anormais
Noctívagas
Vadias
Como os teus beijos
Os nossos ais
Tão loucos
Tão marginais
Eternas horas que findam nas noites
Tão minhas
Tão mortais
O meu tempo,escassos momentos
Como escassas são as memórias de mim
Perco-me
Encontro-me com o que de mim desconheço
Acordo
Tão faminta de mais
São tardias as minhas horas
Noites sem dias
Barco sem cais
Adormeço rendida por ser tarde
Mais tarde que as horas tardias
Mais tarde que tarde demais
Eu excedo o tempo
Tão meu
Tão eterno
Tão vagabundo
Hoje
Amanhã
São iguais






Palavra

http://www.youtube.com/watch?v=bDdLhIMrVJ8

A palavra
Essa alcoviteira
Diz mais do que devia
O que ela queria era ser como um quadro
Um desenho assinado
Que prendesse os olhares
A palavra é uma desgraçada
Escrita ou falada
Uma malvada
Dengosa coisa
Ela é concretamente um pensamento
Objectivo
Facilmente encontrado em dicionário
Ilustração feita como a mesma falta de vergonha
Com que a mão a desenha
Nua e crua
Ou a língua a diz
Triste ou feliz
Palavra
Que se contradiz
Quando pinta com silabas a subjectividade ao leitor
Ou acusa a falta de pudor
Do ouvinte que dela abusa
Palavra
Honra lhe seja feita
É por vezes quase perfeita
Quando se cruza com a alma do pintor
Palavra
Qual quadro emoldurado
Tela em branco
Quadrado meio arredondado
Giz que em ardósia se desgasta
Som com significado
Só letras em soletrado
Sopa
Alimento
Tinta permanente
Alma da gente
Mesmo quando nada se diz

Palavra sua grande meretriz!!

Real Ficção




De um lado da trincheira
Um menino de olhos tristes, negras vestes, negros olhos
Atirava pedras aos ninhos dos pássaros com uma fisga imaginária
Dois dedos em V
Uma linha retirada da bainha das calças
De cócoras
Mal lançava uma pedrinha escondia-se ofegante
O coração aos saltos e o rosto a expressar um misto de sensações
Medo e prazer
O alvo, um ninho no mais alto ramo do pinheiro
A um triz de cair
Ele sabia o que era a morte
Ele sabia que ela era feia, velha, má e que vestia de negro
Mas a vontade de ir aos pássaros, como diziam os outros, fazia dele um quase homem...tinha que ser!
Volta a erguer a cabeça por entre a trincheira inventada, um tronco morto como já vira em filmes, era um bom escudo
Esta vai ser a derradeira, pensa, enquanto sem tirar os olhos do ninho que balançava lá no alto, estica a linha entre os dedos, a ao som de um Pazzzzzzzzzzzzz,que deixa sair com raiva por entre os lábios...lança a pedra rumo ao alvo.
Em simultâneo, escuta-se um som mais ao longe...seco mas bem audível...e logo depois o grito da sua mãe, a indicar a hora do recolher obrigatório...
Guarda a fisga no bolso...local onde guarda a realidade e a ficção. Foge ofegante..de coração aos saltos ...e no rosto, dois olhos negros de medo.

Sensorial-mente




Se apenas tivesses ouvidos, agora
Espera
Ouve
E ao ouvir escuta
As palavras morrem como fetos indesejados
No ventre quente
Embala-as
E nessa mágoa disfarçada
Ficas prenhe de algo mais forte e belo
O Som do que sentes...sem nada dizeres
Cala-te!
Nada expresses que jaz há muito por ai
Se preciso for...adormece-te
Prende-te
Entrega-te
Eleva-te
É tão belo
O momento em que consegues ser alquimista
Separas as coisas mais puras e livres, da mescla dos significados prováveis
Improvavelmente correctos
Apoderam-se de ti todos os pecados
Numa tentação a que cedes
Divinamente
Se apenas tivesses ouvidos, agora
Sentirias cada som como parte de ti
Num reencontro com o desconhecido
Essa coisa que pensas e não defines
Sensorial-mente
A única verdade que ninguém poderá contestar
Cala-te
Ouve
E se ouvires
Escuta

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=V60USaluxGA

Pedido urgente




Ouvi dizer que o amor existe..
Procurei e nada...nem nos jornais, nem nas ruas, nem na casa da vizinha, nem neste pais, nem no outro lado do mundo...
Tentei informar-me do seu ultimo paradeiro
Encontrei registo datado de 24 de Dezembro de 2011..Tendo logo depois sido perdido o seu rasto...
Se alguém encontrar, ou conhecer alguém que viu..agradecemos que nos contacte..guardaremos sigilo..
a ultima vez que foi visto estava num centro comercial, consta que se dis
farça com um gorro vermelho e carrega um saco cheio de presentes...
Mas conta quem sabe, que a sua verdadeira imagem é um sorriso num prato de sopa todos os dia, um abraço na solidão, uma casa quentinha e aconchegante, uma escola onde todos os meninos têm nome no quadro de honra, um colo que embala, uma família, um trabalho digno,um beijo, um abraço, um sorriso sincero, um livro, uma música, um chocolate quente em dias de chuva,..todos os dias do ano...

Bem hajam por procurar

pssiu

Pssiuu Pai Natal

Só uma perguntinha, é mesmo verdade que só entrega presentes no sapatinho ??




quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Do Papel




Dos Homens maiores
Fazem-se livros
E quando morrem seres imortais
Rios de tinta desaguam nos sentidos
Dando a cor real às veias
E da ponta dos dedos as marcas em paginas geniais
Lambe-se num prazer repetido
Notas de roda pé invisíveis
Só para leitores obsessivos
Um posfácio lido como prefacio
No desejo incontido de matar a saudade
Em vez dos homens imortais
E como num voltar às origens
Estes Homens ...morrem de pé

Era uma vez um botão

Um botão

Era uma vez um botão
Redondinho
Preto
E com 2 buraquinhos ao centro
Era um botão muito jeitoso e já tinha tido várias casas
Não se sabe bem como nem porquê
Agora estava a viver numa caixa abrigo
Ele, um dedal enferrujado, dois tubos de linhas de alinhavar,
uma caixinha de agulhas de vários tamanhos, quatro tubos de linhas pretas, dois de brancas, um amarelo, uma agulha de lã, duas agulhas de fazer tricô, uns molhinhos de linhas para ponto cruz, um rolo de elástico grosso, um rolo de elástico fino, um ovo de madeira e alguns objectos não identificados..
Era uma caixa abrigo como outra qualquer
Havia quem dissesse que era uma sorte existir esta caixa abrigo, principalmente agora na época dos pronto a vestir.
Diziam ainda que os tempos são outros e que as coisas são mesmo assim...
Fazer bainhas, mudar um fecho, colocar um botão que fora por maus caminhos ou tentar arranjar seja o que for, era coisa que custaria uma fortuna, além de já nem se encontrar quem soubesse ou quisesse fazer tais coisas.
Mas o botão sempre fora um botão irrequieto, passava a vida a entrar e a sair de casa e a sentir que era valorizado..lembrava-se ainda do tempo em que mal ele se soltava alguém gritava preocupadissimo que perdera o botão...e logo era procurado e comodamente colocado no seu lugar por umas mãos hábeis e experientes no assunto
Agora custava-lhe isto!
Não ter nada que fazer, estar ali no meio de tanta coisa em desuso
à espera de ...uns dedos, umas mãos, um toque saudoso..até à hora em que a caixa abrigo apagasse a luz numa despedida sem sentido, entre dias que se uniam uns nos outros como os números do calendário...
Cansado de ser um botão perdido, uma coisa, um peso na caixa, resolveu fugir e convenceu uma agulha e um tubo de linhas pretas a irem com ele..mundo fora, tentar a sorte mesmo que desabrigados.
Mas não se sabe bem como nem porquê, no preciso momento em que se preparavam para fugir, umas mãos pegaram na agulha e na linha e de uma forma algo violenta mas certeira...fizeram com que a agulha entrasse e saísse pelos buraquinhos do botão prendendo-o a um cartão que dizia assim:

SE TEM UMA CASA SEM BOTÃO
NÓS SOMOS A SOLUÇÃO
NÃO COMPRE
FAÇA
DÊ USO AO USADO

(DIZEM QUE É O ANO EUROPEU PARA O ENVELHECIMENTO ACTIVO... como raio querem que me mexa assim? ..pensou o botão')


Pena suspensa




A pena
É um pássaro ferido
Sem saber o norte
É um voo perdido
Um erro
Um castigo
A pena
É um gosto já desgosto
Uma culpa confessada
Uma mão enrugada
Um adeus no cais
A pena
São os olhos quase cegos
Num afogar de magoas
Num invisível sentir
A pena
É uma prosa antiga
Um rasgo de pele em papel
Uma palavra inimiga
A pena
É leveza contrária
É culpa desnecessária
De um ser decadente
A pena
É pele da gente
Nua
Depois de se ter matado a perfeição
A pena
É aquela dor no coração
Pelo erro assumido
Fosse ela sem castigo
E talvez não tivesse a pena
De um crime cometido
Suspensa ainda no ar
A pena
Amor dorido
É nunca ter entendido
Porque tinha que acabar
A pena
É um pássaro em gaiola
Um barco afundado
Todos os beijos que ficaram por dar

http://www.youtube.com/watch?v=IzF32qOm9LQ

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Da mudança




Pintava os lábios com as mãos tremulas
Queria tanto ficar bonita
E se não fosse aquela cor que condizia com a roupa?
Ou aquele brilho fosse exagerado?
Borrava os lábios com as costas da mão
Num gesto brusco de quem decide não arriscar
E este bem que continuavam a fazer movimentos sensuais
Mas único que sorria era o espelho
Divertido com o ridiculo da situação
Os olhos
Negros e inquietos
Tiveram vezes sem conto uma sombra cinza
Mas apagara tantas vezes quantas pintara
E o cinza já negro confundia-se no olhar
Que lacrimejava aproveitando o alibi
O sinal
Que no rosto crescera com ela
Fora disfarçado cuidadosamente
Mas ao olhar-se não reconhecia o seu reflexo
E recusava-se a sair com estranhos
Em segundos a pinta aparecia no mesmo sitio
Sem ser tão grande como pensara
O cabelo
De um negro quase irreal
Ora preso à nuca contendo todos os pensamentos de liberdade
Ora solto, livre..contrariando todos os seus desejos de prisão
Sempre fora um cabelo meio rebelde
A roupa
Fora sempre neutra
Não evidenciando grande personalidade
Quiça por receio de se impor e causar discussão
Deixava-se misturar sem grande alarido de cores
E as velhas jeans eram as únicas que pareciam actuais todos os dias
E de nada adiantava o vestido de chita sonhar em ser 10 cm menor
Habituara-se aos joelhos e já nem tentava levantar com o vento
Há coisas com que não vale a pena teimar
A roupa mais intima
Ruborizava cada vez que secava no estendal
Chegando a desejar que chovesse em pleno verão
Ela
Acabava sempre pro sair à rua de lábios nus
Olhos negros
Sinal no rosto
E no corpo...toda o conflito interior
Mas caminhava segura...
Talvez porque os sapatos já conhecia aquele caminho...e os seus pés, há muito que deixaram de sonhar

Vidas provisórias... Ou mortalhas inúteis





Já só lhe restava a mortalha
O tabaco acabara-se há muito
E agora os tempos estavam frios
As noites ao lume tinham o mesmo tamanho
Longas esperas de dias
E ele ali sentado contando o que se conta ao serão
Histórias
De um menino rabino
De um jovem sonhador
Da guerra
Da guerra e das dores
E depois os dias sorridentes
Uma Maria
Mulher robusta, de peito farto e cheia de cores
Mãe dos quatro filhos dele mas a quem sempre trocara os nomes
E isso que importa?
Eles sorriam
E riam repetindo sempre a mesma ladainha
Não é o zé..é o chico!
Não sou o Mané sou o Jacinto, pai!!
E a Maria que os parira, abanando a cabeça e limpando as mãos ao avental, repetia entre dentes..
Não tivesse ele chapéu e eu diria que lhe faltava alguma coisa para segurar aquele cabelo...
Agora, nas histórias que contava à noite ao serão
Lembrava tudo...até os nomes certos de cada rosto
Mas, a Maria fora-se antes dele
Morrera de desgosto, diziam na aldeia ao lembrar o acidente fatídico nas minas.
Nesse tempo ainda havia trabalho para os homens da terra e era lá que os filhos se faziam homens...quando não morria meninos.
Já só lhe restava a mortalha
Que ele teimava em enrolar entre os dedos...como se enrolam memórias que se esfumaram...quando ainda havia tabaco.

Sobe e desce...

Tenho quase tudo para ser feliz
Falta-me a coragem de enlouquecer.




Coloco a escada que leva lá
Vezes sem conto...
E olho-a
Arrisco antes mais um cigarro
Como quem guarda no peito a hora da morte
Um som qualquer, vindo do lado de lá
Chega a mim sussurrado pelo reflexo
Tento concentrar-me, em vão
Conto os degraus
E são sempre mais do que eram no ultimo conto
Estarei mais cansada eu?
Ou velha demais para me perder em contas
Do lado de lá há sempre qualquer coisa mais
Tenho a esperança que seja o quase que me falta
Mas quedo-me com todas as outra que são reflexos
De uma felicidade
Fica-se pelo primeiro degrau da vertigem
E tal como o cigarro
Mantenho a imagem prometida em contagem
Apenas preciso decidir se é crescente ou de...
Num jogo individual em que controlo a alucinação
De uma escada e de um espelho
Que me transporta...caso eu tenha coragem de ir

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Claustrofobia




O medo
De estar cá dentro apertada
A criatura fera amansada
Grita emudecida na voz
Em expressões faciais imperceptíveis
Por mais outro medo atroz
Do que quer que faça o seu rosto
Seja quase o oposto
Do próprio rosto que pôs
E nesse faltar de ar por segundos
Respira ofegante pelos olhos
Morde orelhas
Franze as faces
Lambe o nariz
Funga da boca
Quase criatura louca
O ser que liberta de si
E mesmo quase quase por um triz
Que não se liberta de vez
Aguenta só mais esta vez
Aperta o peito
Encolhe os ombros
E num contar até três
Esconde a besta amedrontada
Quando já não faltar quase nada
Fala para dentro baixinho
Aguenta só mais um pouquinho
Diz ela de si para si
E o medo de ser assim
Acaba por lá ficar
E agora abre os olhos
Respira fundo
E sorri
Não sabendo bem o que diz
Deixa a boca falar
E dá conta do sucedido
O medo foi oprimido
E ela já pode gritar





Quase beijo



É na ponta dos dedos que trazes o arrepio
Da pele quente em contraste
E da língua bailarina o fio
Que tece o risco
Em zig zag paranóico
Pelo corpo em demência
Chegas e partes
Sem ausência
E na boca o beijo
Quase
Não fossem as loucas palavras
Donas de tudo o que pensas
Os lábios seriam nascentes
E o beijo quase palavra que inventas






Era noite na Serra



Era noite na serra
Cerrada a noite sem estrelas
Os homens
Os Homens eram lobos com uivo em espera na garganta
A lua ausentara-se para um outro lugar
Mais um pouco
Pediam uns aos outros para esperar
E eles, sempre juntos na serra
Esperavam
O frio congelava as unhas
Pouco a pouco..alguns queixavam-se de um peso no coração
As barrigas colavam como cola o gelo à língua húmida
E os olhos
Os olhos ardiam na escuridão
Uniam corpos na esperança da força dessa união
E faziam fogueiras com os restos do pão
A noite caia ...e caia ...e caia
E No meio da alcateia...a raiva surgia
Escutou-se um uivo em desespero
Cerraram-se os olhos
Cerraram-se os dentes
Cerraram-se os punhos
E na serra em que cerrada era a noite
Corria o sangue mais do que nas veias
Doíam mais que uivos na garganta
Fez-se da noite da serra
A força da esperança
E da guerra de quem não faz a guerra
Dos Homens que se tornaram lobos
Surgiu da noite da serra
O dia que iluminou a escuridão





segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Auto-Retrato



Ele era um Homem cheio
De si
De saberes
De duvidas
Preocupações
Cuidados
Tão cheio que não havia cinto que conseguisse apertar aquela pança
E abraços só de uma multidão
Ia a todas as manifestações para além de se sentir abraçado
Tocado
Envolvido
Se sentir compreendido e olhado como igual

Ele era um Homem grande
Cresceu para lá do nível normal de altura
Dali do alto poderia ver o que ficava para lá do horizonte
Um gigante assim tem medo
Medo do que vê
Medo que possam duvidar do que vê
Medo de ver sozinho

Ele era um Homem farto
Farto de saberes
Farto de incertezas
Farto disto
Daquilo
Dos outros
Farto de si
Um homem farto assim, é perigoso
Pode vomitar quando menos se espera
Pode chorar como um menino
Pode perder o tino
Pode gritar
Pode desistir

Ele era um Homem anormal
E de tão diferente
Um dia pensou ser outra coisa qualquer que não um Homem
E...
Emagreceu
Minguou
Desfaleceu
Ele pensou ser um Homem morto
E morreu...

Moral da história...Se te matas, morres!


sábado, 24 de novembro de 2012

Ilibada


A ti sombra
Do que sonho
Penso ser
Projecto
Entrego toda loucura da responsabilidade
De concretizar a imagem
De mim
Tu que não coras
Não temes
Não hesitas
Tu
Que sem palavras não corres o erro de mentires
Assume-me
E tira-me todo o peso da matéria
Consistência opaca da vida
E não receies a noite
Porque me és preciosa
E eu inventarei uma luz que contra mim projecte
Para existir nessa imagem
Que me persegue
Cá dentro
E ouso deixar sair por cobardia
Chamando vitória
A essa troca de papeis
De parede
E assim projectar em ti um eu castrado de alma
Que usa o corpo em movimentos de parto
Fictícios
Como se pudesse ser actriz principal numa peça sem actos
E assumir a representação em pancadas descontroladas antes que suba o pano
De costas para um publico sem piedade
Represento-me
Em ti
Perfeito álibi

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dar valor ao valor




Aprende-se
Talvez
Por vezes somos um bicho
Negro
Feio
Escorregadio
Matando a fome à bruta
Saciando o monstro interior
Vagueando pelas ruelas
Espreitando as janelas
Gritando merdas sem pudor
Mas o valor
Do que nos é dado sem promessas
Da vontade honesta
Doces cuidados
Mimos em doses milagrosas
Carinhos nas palavras e nas mãos
Faz do bicho imundo
Um ser mais verdadeiro
E dando o valor certo aos actos
Sem precisar de artefacto
As contas são sempre certas
De nada vale fingir que não se vê com o coração
O valor do valor
É tanto...quanto o que te é dado sem razão.

Contas




Ilusórias contas
Que somadas são glórias tantas
Rolando na ponta dos dedos
Tempos partilhados
Desejados segredos
Mas de contas tantas
O fio que as une é ténue
Delicada junção
Antes dava voltas e voltas até mais não
E agora a história desenrola
Como bicho de conta
Que mudou porque aprendeu
E sem fio de união
As contas rolam no chão
Gota a gota prateada

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Basium...






Naquele dia
Era já noite e disseste bom dia
E eu sorri por te pensar acordado
Mas tu
Eras um menino adormecido
Que ainda meio assustado
Crescias
E eu olhei-te com ternura
Vi o amanhã em embrião
Imaginei a cor dos dias tal e qual a cor dos teus olhos
E eles ainda eram um arco-íris
O que faz a vontade de acreditar que é possível
Adivinhar a felicidade que sonhamos
Como se o futuro fosse feito de vontades
Nós cremos e queremos tanto!
Naquele dia
Era já noite e disseste bom dia
E vi que sorrias consciente da hora
E eu
Era ainda uma menina de tranças
E corria atrás das borboletas que trazias no peito
Deixaste que brincasse endiabrada
Sorrias quando caia no leito
Olhavas-me como se olham os amor perfeitos
E eu corava por me saber silvestre
Naquele dia
Era já noite quando os dois nos despertamos
E o sol entrava pelas janelas entreabertas
Deste-me um beijo como quem diz boa noite
E eu abracei-te
Como quem abraça o dia
E nesse encontro de dias trocados
Fez-se a eternidade do que é possível acontecer amanhã

DE(u)S HUMANO




Ele
Era um homem de vícios
Animal amestrado à força
Humanamente criado à própria imagem
Desenhou o pensamento fértil
Numa prostituta
Que usou pagando em maçãs com bicho
Do bicho
Fez de conta
E inventou a cobra
Era esbelto e sedutor
Fez morrer mulheres de amor
E homens que duvidaram do seu ser
E em orgias
Pintava alegorias em pedras
E destas fez a roda dentada
Depois da primeira tentação
Acusou o infiel
Sendo ele o amante da mulher
Violou as regras sangrentas
Matou irmãos herdando tudo
E subiu aos céus
levando cruz como bandeira
Aterrou na lua
De lá viu mares e navegou
Viu caminhos e andou
Viu homens
Amou
Matou
Viu ainda um mundo
E criou fronteiras
Ao descer das nuvens
Contou histórias
Alimentou a fome dos meninos
Com natais
Sonhos
Coisas irreais
E adoçou bocas garganeiras
Do mel fez a abelha com ferrão
E das flores o néctar de outros deuses
Brincou ao policia e inventou o ladrão
Olhou os homens e cansou-se da própria criação
Então, criou o lobo para comer o pastor
E das ovelhas fez o sacrifício da dor
Viu tudo ao longe
Como menino com birra
Chorou mais por sono do que por tristeza
E querendo adormecer
criou o fim do mundo
Numa escritura
E ao longe
Todos os homens de boa vontade
Deixaram-se morrer
Apenas para provarem que Deus existe

A vergonha envergonhada



Descia a rua envergonhada
A criatura nua
Cabisbaixa
Corava
Falava o zé do tasco
A Maria do 5º esquerdo
Falava o padre
O ardina
A beata
E a puta fina
Falava o mudo
E o mundo inteiro
Descia a rua envergonhada
A criatura nua
Cabisbaixa
Corava
Puxava a saia que não trazia
Tapava o rosto com o cabelo
Dobrava o tronco até ao joelho
E o peito farto cobria
Falava a tia
A prima da outra
O homem velho e o puto
Falava o policia
O ladrão falava
Falava a esquadra
O batalhão
O mal empregado
E o patrão
Falavam todos à boca cheia
E ela nua
Descia a rua já sem pudor
Mostrava a alma cheia de frio
As dores inteiras em manchas no rosto
E um corpo nu..expunha o vazio
Descia a rua entre os cochichos
Ela...a séria
Pura
Casta miséria
Descia a rua envergonhada
Da nudez dos outros que a língua tapava
Um dia e outro
Um ano e mais dias
Uma vida e mais vida e meia
Tanto tempo
Tão nua
E a mesma rua uma vida inteira...tão feia e tão fria!

O melhor dos dias...



O melhor do dia são as noites
E destas, o melhor é o amanhecer
As manhãs são barrigas de aluguer dos dias fecundandos de esperança
E à tardinha olha-se a noite que caminha vagarosa trazendo noticias de um amanhã qualquer

O melhor do dia são as noites
Quando as horas passam em silêncio
As estações são bancos de espera eterna
E escuta-se a queda das folhas de plátanos centenários
Contando histórias de uma realidade paralela

O melhor do dia são as noites
Nela os dias são vagabundos com abrigo
Enrolam-se memórias em novelos gigantes
Queimam-se cartas que um dia pensámos escrever
E damos colo a todos os seres que parimos

O melhor do dia são as noites
No escuro todos os olhos são estrelas
Todos os rostos trazem esperança
os corpos são quartos de lua cheia
E todas as mãos são um possível adeus...

O melhor do dia são as noites
Que trazem sonhos
Como beijos adocicados
A ousadia
Do brilho das estrelas nos nossos olhos
E na pele o negro aroma do café

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Noticia de ultima hora...


Foi apanhada a perigosa senhora que arrancou à dentada a cabeça de um policial..




Depois de passado o perigo, os policiais juntaram-se aos manifestantes num momento de alegre descontracção e convívio...



Houve meninas que não quiseram dançar alegando cansaço...mas agradeceram simpaticamente o convite.




Um senhor amuou e disse: já não brinco!
Parecia que estava fora de jogo mas o arbitro não viu


Brincou-se ao jogo dos potes...




Houve um senhor que teve que ser posto fora da brincadeira por dizer palavrões e fazer gestos impróprios com as mãos, coisa feia!!


Brincou-se ao pé coxinho


E no fim beijinhos e abraços


Ao longe a dona do jogo sorria ...enquanto o Passos lhe relatava a forma como foi alegremente passado o dia em portugal . Disse ainda que os meninos maus que no inicio queriam estragar a brincadeira, foram cuidadosamente identificados e retirados de cena, graças à correcta intervenção das forças de paz no local, devidamente apetrechadas e treinadas e formados para defender e atacar com método!




Ai Moça, pena já não teres estado cá para brincares ca gente, foi tão giroooo pahhhhhhh (disse ele)





segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O meu medo

Antes era pequenino
Do tamanho das minhas mãos quando não conseguia apertar os atacadores
Do tamanho dos meus olhos quando tudo parecia enorme e eu não chegava
O meu medo era um menino verde que vivia numa árvore no meio da floresta
Falava comigo à noite e era ele que procurava o papão do telhado
Gritava ao velho do saco
Espreitava debaixo da cama para que os monstros não me tirassem o sono
Prendia gigantes para que eu pudesse correr na rua ao pé coxinho
Era o companheiro dos soluços das birras
Pegava em cada lágrima gigante dos meus olhos e fazia um rio onde os barcos de papel navegavam
Segurava as estrelas lá no céu, para que eu as contemplasse sem correr riscos
Um dia inventou as cores e desenhou nuvens cor de rosa para servirem de casa aos pássaros azuis..sempre temi o seu cansaço nas longas viagens
O meu menino verde ensinou-me as letras com que se escreviam histórias
Nessas histórias, ele inventava sempre palavras que me tirassem o medo do rosto..."e foram felizes para sempre", dizia...e eu sorria
O meu menino verde tinha voz de fada e cantava todas as canções que adormeciam os corações mais inquietos, alegravam os olhos mais tristes e calavam os choros
O meu menino verde era tão fofo como o colo da minha mãe e doce como os sonhos da minha avó.
Era para ele que eu corria quando nem sabia ainda andar...e levava-me com ele a viver nas árvores...fizemos ninho e eu cresci
Cresci tanto que deixei de ter medos pequeninos...
Queria tanto que ele voltasse...
Porque o mundo voltou a ter monstros debaixo da cama...e eu tenho medo!


sábado, 10 de novembro de 2012

Do Umbigo




Há o cordão
Que aperta, nos forma ou deforma
Alimenta ou mata
Há o cotão
Que junto pode encher colchão
Ou em caso de intimidade
Fazer corar de vergonha
Há o piercing
Que dá beleza e graça
Com dor que até disfarça
Por causa maior se impor
Há a tatoo
Que tal como ponto cruz
Desenha em forma de arte
A parte
Com linha
Há o ventre
Que dá ao ponto central
A segurança
Caso não seja pança
Para dança oriental
Há ainda a ideia
Ponto de vista pessoal
O cunho original da criação
Há o universo
Que faz deste ponto o centro
E gira à sua volta como tonto
Há o saliente
Por pura falta de cuidado
Há o disfarçado
Por massa gorda em excesso
Mas entre todos há um elo
Que quer queiram quer não
Salta da barriga para o chão
Até sendo inteligente
É o dono do umbigo
Que mal formado e narciso
Tendo mais olhos que barriga
Faz crescer o orifício
De forma descomunal
E enche como balão
A vazia cicatriz
E um dia...Pummmmmmmmm
E dirá preocupado
Mas que é que foi que eu fiz?
E com arte no disfarçar
Talvez volte a enrolar
Os restos...do ser vaidoso!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Do Humor


Há a gargalhada estridente
E do dente a carie
Há o amarelo sorriso
E o pouco siso
Diz o povo
Do humor há o bolo com frutos secos e passas
O gótico
Há ainda o que origina depressões
Por francas incompreensões
Há o que dá inveja ao Relvas
Por diplomas suados
Há aquele esforçado
Querendo se natural
Como o leite desnatado
Este humor não faz bem nem mal
Há aquele mais bruto
Que até da morte da mãe ri
Há o apaixonado
Que acaba por ser cego
Há ainda o interessado
Que cobra como as putas
Há o humor forçado
Que casa pelas más línguas
Há o de perdição
Mas este só se for iletrado
Há tanto humor como gado
Nas planícies a pastar
Mas não há nenhum como o do pastor
Com a cabra faz amor
E diz estar enamorado
E depois há o alentejano
Que sendo um pouco egocêntrico
é humor bem caçado!



Da Revolução...






É aquela coisa rubra
Que sai pela boca em gritos
Aquela força que puxa os braços ao alto
A dor que se mistura com esperança
A Euforia que na menina dos olhos dança
A revolução é aquela coisa a que temos direito quando já nenhum outro existe
É a liberdade violada exigindo justiça
É uma onda gigante que nos leva na corrente
A salvação quando se não é crente
É risco que se assume por outros
Coragem para matar a cobardia
A carta de alforria na prisão
O pão na boca do petiz
A palavra na folha do jornal
A revolução é o beijo na boca do soldado
A arma do condenado
É solução ao problema armadilhado
É a fogueira das bruxas disfarçadas
É a esperança...
Para ressuscitar os mortos justos
A revolução é fado deste pais
E quando os loucos se levantarem
De nada valerá gritar clemência
Porque não há maior demência
Que a miséria com que nos brindais
E a pouca consciência dos ais
Que de parto programado provocam
Há ainda a pouca vergonha
Seus proxenetas cabrões
De nem saberem ser pais
E se fossem castrados
Nenhum mal viria ao mundo
Porque vossos filhos
Porcos imundos
São filhos sem terem pais