Com_traste

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Manuscrita


Procuro A palavra que me falta
Não a conheço ainda porque nunca a pronunciei
Mas imagino-a
Como imaginava antes de saber falar, todas as outras palavras que vieram até mim, sem que as procurasse
Sinto-lhe a falta como se ela fosse a única capaz de me tirar deste silêncio
É algo estranho esta minha necessidade, quase doentia, de encontrar A Palavra
É como se ela fosse minha, sem antes me ter sido dada
Como se fosse só minha e de mais ninguém
Sei que existe algures
Em mim…
Fora de mim tantas vezes também
Mas não me surge assim inteira
Repleta das sílabas que sei que a formam bela e verdadeira
Como só ela, A Palavra, pode ser
Persigo-a até a exaustão
Sinto-lhe a presença mas foge-me
Como sombra, quando me viro, ela simplesmente foge para trás de mim
Como se invertesse o jogo do apanha
Não a encontrando debaixo, ou na ponta de língua
Não se cruzando na linha das outras
Faltando-se a si própria
Quando nem como as cerejas consegue ser
Embora rubra
Embora redonda
Embora apetitosa
Foge-me, deixando-me a salivar de boca aberta
Neste desejo que lhe tenho
E é principalmente à noite, que contrariamente ao que seria suposto, ela mais me foge
Não dorme
A palavra nunca dorme, como se vivesse de uma força interior, de sabe-se lá o quê, de que força é feita uma palavra fugidia?
No escuro, volto a pressentir a sua existência
Sem nunca antes a ter escrito, lido ou pronunciado
Ela, A Palavra, existe principalmente na sombra
Do que eu poderia dizer
No que poderia ter escrito
No que desejava tanto ler
E naquele silêncio, quase sepulcral, em que se sente a morte do que poderia ter sido se a tivesse encontrado antes, talvez até na hora mais incerta, talvez no local mais impróprio, talvez num tom de voz quase inaudível ou numa letra indecifrável, sinto a certeza da sua existência quando finalmente, a leio com a ponta dos meus dedos, no teu corpo.

1 comentário:

  1. Acredito que cada um de nós viaja nos textos que lê, ajustando as coordenadas do mesmo ao trajecto do seu pulsar. “És um corte minha”, foi o que veio á mente quando li o final do texto, mas este “és um corte minha” nada tem de depreciativo, pelo contrário, foi expressão que saiu, com uma dose de satisfação. O texto levou-me em seu tempo a tentar entender a tua procura da palavra por descobrir, e no final dás aquilo que eu chamo de nó cego. Um estilo muito teu que deixa o que escreves quase sem muita margem a comentários. Mais um texto de eleição com que presenteias. 1Bj e obrigado, pois é um prazer ler-te

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