Com_traste

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sábado, 28 de julho de 2012

Cais, estações...paragens




Ela ia e vinha como a primavera
Numa transformação lenta mas natural do ser
Esperava o comboio que ligava os pontos distantes
Num cruzar de linhas
Num balançar de corpo
Quase que adormecia
E chegava ao cais
Não cais
E nas ondas vagas subia
Querendo ir mais alem
E voltando atrás
Paragens constantes
Esperando o próximo
E acaso viesse cheio
Esperaria
Por mais outra noite
Um outro dia
Em que a paragem seja a união das estações
Onde se misturam as cores e as sensações
E as folhas em queda
Anotem os dias
Outra paragem
Tanta gente
Tanta vida fugidia








domingo, 22 de julho de 2012

Diário de Bordo I


Ao falar com um marinheiro
Tentei falar das vagas…ideias
Que me encantam ao mesmo tempo que amedrontam
Da rede…socialmente tecida
Com que se pesca ou caçam borboletas
Mesmo que sejam as da barriga
Falei do azul que finge ter o mar
E das conchas que escondem sempre as fortunas
E descobri depois
Que só mesmo no mar alto
Se consegue saber ao certo
A nossa capacidade de sobreviver
À força das coisas bonitas da vida
Eu..sei agora que morro afogada com facilidade
Porque apenas molho os pés e finjo boiar
E mesmo que vá ao fundo
Não contenho o pedido de socorro
Que me faz engolir oceanos
E comprova a força que não possuo
Morrer afogado é sempre em silencio dizem
Eu tenho duvidas que não tentemos gritar
Porque a esperança de existirem sereias e tesouros escondidos no fundo do mar
Não bastam para nos calar a vontade de pisar terra firme
Desde sempre que ousamos andar sobre as aguas
E desde sempre que sabemos que não existem milagres
O fascínio dos mares e do espaço…foi Deus que nos incutiu
Para ter a certeza da nossa morte

Crónicas Marcianas



Não me apetece o silencio das palavras vãs
Nem o som das palavras mortas
E que tal a ausência de significados?
Que vos importa os que dizem as sílabas juntas em forma de ideia?
Que vos importa o pensamento vertido para um conceito subjectivo?
Se o que queremos é apenas um abrigo
Para matar a fome…de conhecimento concreto
De sabedoria exacta
E todo o abstracto do que dizemos ou pensamentos
Apenas nos transtorna
Porque somos incapazes de saber ao certo
O que significa cada um de nós
E tudo o que somos é apenas o resultado de experiências diárias
Numa solução onde se misturam factores ao acaso
Com a agravante de não sabermos ao certo o que procuramos
Volta e meia: Eureka!
Surge uma descoberta…e tendemos a dar um nome à coisa desconhecida
E escrever compêndios que apenas ajudam a fingir conhecimento
Porque a palavra que dá a ideia de ter ideias
Existe depois de ser pensada ainda sem nome
E este circulo é uma espiral sem fim à vista
Num tempo infinito
Em que iremos dando nome às coisas ao acaso
E a beleza (palavra que surge depois do primeiro Homem olhar outro Homem) está nessa capacidade de criar
Coisas vindas de um nada…que é tudo o que existe alem de nós







Pulsações

Perdi a noção do tempo
Olhando um relógio sem corda
Ali estavam todas as horas
Toda a eternidade
Num único objecto
Tal como o meu corpo
O meu ser
Continha a possibilidade da contagem crescente ou decrescente
Bastaria eu querer…
E com um sorriso irónico
Passeio o tempo como adorno no meu pulso
Vaidosamente consciente
Quiça inconsciente
Da importância do objecto que embeleza um corpo
Quando só eu sei se esta em contagem..ou simplesmente parado
E mesmo assim…ele importa
Comanda
Ilude
Como se o tempo não tivesse a noção da sua existência
E nós…uma existência a contra relógio



sábado, 21 de julho de 2012

Obséquio




Trazia nas mãos a dádiva
E em cada face o perdão
Em jeito de confissão
Entregava-se ao senhor
Em gesto de bondade
Candura e sem maldade
Prometia-se inteira
Num acto de submissão
Aceitaria a dor
Pedindo em ladainha
Que quer com corda ou a própria linha
Lhe atasse o pudor
Que lhe corria nas veias
E dando os pulsos sem protesto
Aguardava a salvação
E acaso ele tardasse
Aguardaria serena
E num olhar suplicado
Pediria baixinho
Por favor
Mesmo que faça dor
Ate-me mais que o corpo ofertado
Ate-me todos os pecados
Ate-me a voz
Ate-me a visão
Ate-me o gosto doce do mel
Ate-me à minha condição
Ate-me a alma ao destino
Por obséquio...com jeitinho!












sexta-feira, 20 de julho de 2012

Pendular



O nó
Dando ao corpo cego
Numa corda esticada
Na porta de madeira interior
Aperta a garganta
Como gravata
E ata
Puxa
Marca
O corpo entregue à possível dor
Num balançar desejoso
Num mar em descoberta
Qual marinheiro
Que ata
Desata
E aperta
O nó
Do cego amor
Que em alucinação grita
A descoberta do que ali sempre existira

Baldio


Evaporam-se
Por entre os dedos, as palavras
São agora o toque da visão ilusória do não dito
Os lábios entreabertos no silencio
Expressão em névoa
Gotículas de sílabas que se juntam em folhas soltas
Ao longo de um caule
Os picos
De uma possível rosa
Acaso as palavras fossem pétalas
E o campo em que nascem
Um baldio
Em descanso
Adormecido
Numa fuga ao destino
Que só ele comanda
Agora não, parece dizer
Contrariando a época de qualquer colheita obrigatória
E fica ali a ser apenas sossego disfarçado
Porque basta cavar um pouco
E a um palmo da superfície
Um fundo
Que se consegue ver vazio
Mas onde existem sementes de conversas
Jogadas ao acaso
Apenas porque existem palavras que se evaporam
Pela pontas dos dedos

terça-feira, 17 de julho de 2012

Da naturalidade...




Nasceu ali
Natural de…
Uma mala de viagem
Cresceu assim
Dia a dia
Naturalmente
E desde sempre sabia dizer o sitio exacto onde crescera
Foi ali!
Dizia ela convicta apontando a mala de viagem
Um dia, quando morresse
Saberia ser no mesmo local onde nascera
Por ser impossível não morrer ali
Quem sempre viveu em lugar nenhum


in the mood...

44 Graus
Fazia à sombra do teu corpo
E só pedia mais um pouco de calor



http://www.youtube.com/watch?v=gZwByCflY4U

domingo, 15 de julho de 2012

Mata Bicho


Querer entender o bicho
Que me forma
Come e consome
Mas que controlo
E conscientemente deixo sair
Não é compatível
Com o bicho que me come
Ou ao qual me dou a comer
Momentaneamente
Pela impossibilidade
De eu deixar de ser
O bicho que mesmo sendo bicho
Opta por viver e não apenas sobreviver
Há metamorfoses que não têm volta atrás
E depois de borboleta
Mesmo a lagarta irá querer voar



http://www.youtube.com/watch?v=F9m821h9W6A

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Uma...


Não me identifico
Não me peçam Bi ou numero que me obrigue a ser parte da vossa existência
Eu, um não tu
Um não outros
Um nós ausente
Apenas sou…e não gosto de me sentir assim, apenas
Há ao mesmo tempo que a certeza do desalinho
A incerteza da causa
Porque até vos consigo sorrir
Amar
Quase tanto quanto desprezo ou odeio
Vou a jogo com as mesmas cartas
Pervertendo as regras
Queria jogo limpo
E contamino-o com a arrogância da diferença
Escondida na manga
Nem pretendo ganhar
Jogo apenas porque tem que ser
Senão…morreria de solidão
Não me perguntem quem sou
Nunca o saberei
Não me perguntem gostos e desgostos
Baralham-se em mim e confundem-se
O que me identifica?
Um dedo indicador
Que tenho apontado ao próprio peito na maioria dos dias
Eu
Digo e repito
Eu
Quem és?
E talvez morra sozinha…sem nunca chegar a saber

terça-feira, 10 de julho de 2012

Uma vaga...ideia


O que dizer das horas vagas?
Ficar a boiar no tempo
Que vazio ondula
No calor da sombra do meu corpo
E tentar encaixar sem jeito
O que somos parados
Ausentes do cartaz que diz ocupado
Um nada fossilizado
Aguardando vaga alem das horas
Talvez na próxima onda
Possamos ir
À deriva
Disfarçadamente
Olhando a bússola
Como quem olha o relógio de pulso
Nas vagas horas
Em que só o bater do coração
Dá sentido aos ponteiros
Que orientam a vida
Compasso a compasso
De espera
O presente é o meu futuro
Já passou e nada
Nada em vagas
Vagarosas
Como concha aberta por navalha de ponta e mola
Que se jogou ao mar
Aguardando o grão de areia que nela se deite
E com um pouco de sorte
A vaga hora dará a volta ao destino
Numa pérola
Que servirá de adorno
E perdurará no tempo
No colar de contas iguais
Como os segundos


B A Bá

O corpo
É a palavra em sílabas decomposta
Quando soletro com a ponta dos dedos
A Derme
O que digo é o que sinto
Entre o significado e o significante
A língua usada
Na linguística em descoberta
Traduz em prazer toda a palavra de que somos feitos
Numa composição infantil
De como quem descreve o que quer ser quando for grande
E ilustra os conceitos complexos
Com a simplicidade do traço colorido
Em cornucópias de saliva e sémen
Comprovando a fertilidade da mente
Capaz de gerar todos os significados de um corpo




segunda-feira, 9 de julho de 2012

Tempus Fugit

O cronometro parece acelerado
Como se o tempo corresse por comando remoto
E a corrida de fundo é agora de cem metros
Obstáculos surgem caídos do nada
Estalagmites
Estalactites
De pura imaginação
E conscientemente salta-se
Esquiva-se o corpo
Ofegantes almas
Sorrindo à meta que se afasta a cada passo
Há asas de pombos correio que trazem bandeiras
Gritos de força em rostos estáticos
Hino entranhado nas veias que nos lembram o podium
O sol queima-nos os sonhos e a pele
Num fechar de olhos sentimo-lo queimar o peito como medalha
E a coroa de louros é agora de espinhos
Porque o pecado nos toldou a ambição
Está quase
Está quase lá
E num turbilhão entra-se na espiral da euforia
De braços abertos ao nada que é certo
Instintivamente beija-se o solo
E num ramo de flores destinadas a secar
Um cartão
De alguém desconhecido
Escrito em letra ilegível
Qualquer coisa…
E sorrimos em pranto
Fará todo o sentido
Para qualquer dos resultados possíveis
Seja como for
Chegamos ao fim














quinta-feira, 5 de julho de 2012

Filhos da puta

A verdade é um puta meus amigos
E nós sorrimos ao vê-la vender-se
Viramos a cara para maior privacidade da pouca vergonha
A dignidade?
Nasceu de um grande amor
Quando a puta se deitou com um doutor
E este a renegou
Eu amo a puta
E quero-a só minha
Mas dela dependem muitas filhas
E pelo pão na mesa e com alguma dor
Dá todo o corpo e valor
Em troca de migalhinhas
A verdade é minha eu sei
Eu vi como se deitou na esteira da rua
Na casa abrigo
No lar dos quase mortos
No quarto da maltratada
Na cabana do cigano tatuado
No braço do drogado
E é dela que gosto
Por ser a puta mais pura deste mundo
Mas foi quando se deitou com o rei
Que a puta verdade ele matou
E com coroas de ouro a transformou
E agora a verdade foi vendida
E na puta desta vida
Não há outra verdade
Que aquela que eu pari
Filho que eu própria fiz
E que ele próprio roubou