Com_traste

Com_traste

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vício


Matava-se aos poucos e não se importava
Não havia nada que desse o efeito contrário
Enrolava a substância em papel de seda
E chegava a chama que fazia arder o peito, o rosto..até os dedos
Só depois inspirava bem fundo
Parecia sádico o movimento da morte lenta
Ou da vida a ir-se aos poucos
Mas era assim que passava largos minutos dos seus dias
A queimar o pensamento enrolado em seda
A ver arder
A sentir a chama
E uma e outra vez, apenas só por gostar do risco
Fazia deslizar o fósforo e ficava a vê-lo queimar
Enquanto o fumo enchia a casa e o peito
E os olhos viam apenas pequenos pontos negros, entre um lacrimejar e outro
As marcas amarelas do tempo na ponta dos dedos
Igualavam as gotas de limão com que se tentava branquear
Deixando nos olhos umas marcas azedas
E na ponta da língua a saliva a pingar
Mas não se importava de morrer aos poucos
Juntava as letras como juntava os fósforos queimados
Em linhas rectas como campas sem lápides
E o fumo como névoa a pairar
Na folha onde repousaria o cadáver das palavras
A seda tornava mais macio o momento
Riscando o fósforo na própria pele
Escrevia em chama o cigarro derradeiro
Aos poucos vivia
Por saber que aos poucos se acabaria por matar.

Sem comentários:

Enviar um comentário