Com_traste

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

OSSOS DO OFÍCIO



Arranham-me as entranhas
É a partir de dentro para fora que me matam
Facas afiadas de mãos invisíveis
Pouco a pouco
Despedaçam-me os órgãos
A principio só uma dor leve no coração
Normal para quem ousa usar o órgão para algo mais que batidas ritmadas
Depois uma cólica que enrola o estômago em volta de um vazio
Engulo um naco de pão à pressa, tento acalmar a dor
Até as pedras, pouco preciosas
Desfazem a murro
Causando um golpe de rins, que tento disfarçar em movimentos dançados
O fumo já não me causa manchas nos pulmões
Sopram ventos de todos os lados
Com drogas outras
Menos puras e de cores psicadélicas
Dilatando-me o peito prestes a rebentar
Respiro ofegante…ainda
O cérebro apertado pelos pensamentos confusos
É banhado por líquidos pegajosos
Parecem rios poluídos
Uma tontura em cada novo pensamento
E um sentimento
Em fuga do coração, acumula-se nas margens
Pouco resta de dentro que possa ser transferido
O sonho da doação do pouco que julgava puro
Morre antes de mim
A boca seca-se
Já não há palavras suculentas
Nem excitação possível que me faça salivar
Antes, era um mar nos sonhos de libido louca
A língua torna-se branca
Áspera
Soltando palavras ao acaso
Todas elas cruas
Impuras
Ordinárias
Perdi o sentido dos sons
Agora são barulhos horríveis,
Só escuto por mero caso
Volta e meia captando a onda em que os emitem
Completamente dessincronizada
Repito ruídos tentando voltar aos primórdios
Em que aprendemos por imitação
Os olhos cegam
Por a luz vir de dentro
Como raios
Visão raio x
Deixando todas os outras letras por decifrar
E o negro da menina
Que antes sorria no reflexo
Confunde-se com o negro do vazio
Mas ainda cheiro
Chegam a mim todos os aromas de antes
É como se ele me trouxesse todos os outros sentidos
E desse vida a todos os órgãos desfeitos
Mas receio o tempo que escasseia
Impaciente pelo cheiro das madrugadas em que se coze o pão
Alongam-se as tardes secas
Nunca mais chove para que me devolvam o cheiro da terra
As árvores engravidam por inseminação artificial
Propositadamente para que não sinta o cheiro dos frutos da época
E não voltam as primaveras
Foram no bico de andorinhas, há anos e anos
Nada resta do verão, não há mar de searas que ondulam
E eu ainda respiro… ofegante
A pele desnuda-me como se quisesse intimidar a vergonha dos outros
Enrola-se como os estores
E eu como janela entreaberta exponho-me
Resta-me ainda o ventre
Cansado de tantos partos
Mas fértil ainda
E antes que me matem tudo
Desfaço o resto das entranhas
Sangrando pelo sexo em gotas
O que nas veias acumulei em anos
E para que se saiba a causa do suicídio
Escrevo com a ponta do dedo
Na poça de sangue onde me findo
“Desisto de vos alimentar eu própria levo os meus ossos”

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