Com_traste

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dores de Crescimento




Era pequena mas ainda lembro, um dia, ou dois no máximo, com umas dores a moer os ossos,
um pouco de febre, sem outros sintomas preocupantes e alguém dizia logo do alto da sabedoria dos crescidos: isso não é nada,são dores de crescimento!
Naquele momento a gente queria crescer logo..ser grande..ser o mais rapidamente possível, Pessoas como as outras..de salto alto e batom, ter uma outra pessoa grande a quem chamaríamos amor, trocar a boneca de trapos por um bebé a sério, tínhamos tanta pressa!
As dores de então passavam a ser aceites com uma sensação de vitória, pena era que não se notava muito o crescimento quando nos encostávamos à parede do quarto ou nos colocávamos disfarçadamente perto da mana mais velha, o espelho por vezes era o único que nos dava a visão real das dores. ..pensando bem ainda hoje o é. Depois de cada dor sem necessitar ir ao médio, tomar remédios que nos causam náuseas, levar injecções, caso o enfermeiro nos conseguisse apanhar antes da fuga ou do desmaio, eram dores abençoadas…
Depois, um pouco mais tarde as dores de crescimento doíam de verdade, sangrávamos para ser mulher..e doía, doía muito também. Nesta altura poderiam dizer tudo sobre a importância do momento, que o facto nos assegurava, em principio, a possibilidade de embalar no colo algo mais que bonecas…mas a sessão do sofrimento que causava o ser gente grande, não deixava saborear esse momento como antes, dias depois era em voz pequenina, envergonhada e com algum orgulho que partilhávamos o segredo com a melhor amiga, outras ouviríamos a mãe contar a alguém, com uma sorriso maroto nos lábios, que a filha pequena estava ser crescer a olhos vistos .
Nessa altura, caso fossemos mais atentas e não tivéssemos a ilusão e a pressa, deveríamos ter aprendido logo que crescer é dor e não há sempre remédio que nos tire esse sofrimento.
O algodão com agua oxigenada do qual fugíamos a sete pés, mais tarde seria gasto em vão…
As dores de crescimento passaram depois por nós no primeiro amor não correspondido, nas noites em que nos diziam que não poderíamos sair até tarde, no querer ter algo que pensámos ser de direito e mais uma vez nos era negada. Mais tarde a dor maior, a dor de parto, compensada com a enorme alegria de ter finalmente o filho desejado..com eles outras dores que sentimos por osmose e entendemos que um dia mais tarde iremos sentir as dores de parir um neto, que a nossa mãe tantas vezes no falara.
Depois a dor da ausência dos que amamos, temporária ou definitivamente..e ai gostaríamos tanto de não ser grandes!
Mas hoje as dores de crescimento que me andam a roer os ossos, a fazer comichão na alma, que me levam a morder os lábios como quem tenta controlar o gemido, a dar comigo a agarrar pensamentos arquivados a dizer ais e uis em cada respirar, são as dores de aceitar as via, as opções que tomamos e o acto permanente da duvida de quem somos. Essas hoje fizeram-me lembrar as antigas dores nos ossos de menina…
É que continua a doer crescer…embora talvez agora disfarcemos o nosso tamanho, não nos encostando às ombreias das portas e fugindo da menina grande a quem ainda chamamos bebé, quando esta nos agarra em risos incontidos e nos chama pequenina.
O espelho continua a ser fiel, a mostrar-nos a verdadeira fase de crescimento em que nos encontramos, é nele que nos revemos tal e qual, até naqueles das feiras em que a imagem disforme do corpo não esconde realmente quem somos.
Mas doe-me, doem-me os ossos que parecem soltos por debaixo da pele, o peito que arfa descontroladamente em cada pensamento mais revolto, dói-me as mãos que agarram o vazio, a pele…a pele seca depois do banho de horas e de massajada em movimentos íntimos.
Dói-me o olhar preso do mesmo sitio, a visão do que tem que ser, a ausência de ilusões de óptica ..dói ver que está a acontecer…a realidade.
Depois digo em surdina..vá aguenta, são dores de crescimento, já vai passar.
Talvez se eu crescer muito …passe.
Só espero que o reflexo no espelho não me minta.

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