Com_traste

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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Para Acabar de vez com a CULTURA


Lotação esgotada
Os melhores lugares, marcados a ferros, há muito com dono
Depois de filas imaginárias e de até algumas confusões,
(Próprias de quem não vê a hora de conseguir um lugar para a tão esperada estreia)
Os lugares foram ocupados por impacientes espectadores
Cansados
Abatidos
Mal encarados
Famintos
Confusos
Perdidos…
Mas publico fiel
Aguardavam com algum nervosismo
Tinham sido permitidas pipocas
E refrigerantes
Coisa única, excepção apenas para o dia da estreia
Apagaram-se as luzes da sala
Nas cadeiras vazias faziam-se ouvir rumores
Ao mesmo tempo dos criks e craks
Estaladiços
Soaram as famosas pancadas
Houve quem acertasse na contagem
E um senhor mais desatento, afirmava terem sido dadas sem convicção
(Há anos que usava aparelho mas ainda não se habituara ao off e on do botão)
Depois o momento esperado
E fez-se luz no centro do palco
Silencio

E a luz ganhava intensidade
Entorpecendo as visões e as mentes
À medida que o tempo passava
Esfregavam-se olhos
Abriam-se bocas
Disfarçavam-se espantos
Depois de algum tempo de espera
Remexiam-se os corpos nas cadeiras
Gemendo a necessidade interior de mudança
Alguns leques bailavam em frente de rostos
Disfarçando a falta de calor
Ninguém se atrevia a comentar
Nem consta que nessa altura a história do Rei Vai Nu
Aflorasse a memória de quem quer que seja
E de repente
Um dos espectadores mais entusiastas
Levanta-se e grita um “Bravo” nervoso
E logo se juntam e coro os restantes alucinados
E já de pé toda a plateia
Aplaudem eufóricos…descontrolados
A aclamação demora o tempo da consciência do ridículo de cada um
Aos poucos a luz enche a sala vazia
Entre restos de bilhetes e pipocas babadas
Fecha-se o pano
Apagam-se as luzes dos camarins
Limpam-se os restos espalhados pelo chão
Ninguém sabe quanto tempo ficará em cena
Aguardam-se as críticas nas revistas da especialidade pela manhã
Lá fora , entre luzes de néon, o cartaz que ostenta os invisíveis rostos dos artistas
Pende ao vento, seguro apenas pela força da imaginação do criador
E em letras garrafais
O aroma alcoólico do título da obra:

OS SUBTRAIDOS

Peça sem actos possíveis de se contar
Bilhetes à venda em cada esquina
Divulgue
Participe!
(Com o apoio do Ministério da Cultura)

1 comentário:

  1. "A aclamação demora o tempo da consciência do ridículo de cada um".
    Exactamente como na peça da vida. E há os que nunca chegam a ter consciência de nenhum ridículo, mesmo com o alto patrocínio do Ministério da Cultura. Será que também patrocina as pipocas?

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