Com_traste

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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Vício


Matava-se aos poucos e não se importava
Não havia nada que desse o efeito contrário
Enrolava a substância em papel de seda
E chegava a chama que fazia arder o peito, o rosto..até os dedos
Só depois inspirava bem fundo
Parecia sádico o movimento da morte lenta
Ou da vida a ir-se aos poucos
Mas era assim que passava largos minutos dos seus dias
A queimar o pensamento enrolado em seda
A ver arder
A sentir a chama
E uma e outra vez, apenas só por gostar do risco
Fazia deslizar o fósforo e ficava a vê-lo queimar
Enquanto o fumo enchia a casa e o peito
E os olhos viam apenas pequenos pontos negros, entre um lacrimejar e outro
As marcas amarelas do tempo na ponta dos dedos
Igualavam as gotas de limão com que se tentava branquear
Deixando nos olhos umas marcas azedas
E na ponta da língua a saliva a pingar
Mas não se importava de morrer aos poucos
Juntava as letras como juntava os fósforos queimados
Em linhas rectas como campas sem lápides
E o fumo como névoa a pairar
Na folha onde repousaria o cadáver das palavras
A seda tornava mais macio o momento
Riscando o fósforo na própria pele
Escrevia em chama o cigarro derradeiro
Aos poucos vivia
Por saber que aos poucos se acabaria por matar.

EntreAberta..ainda


Continua velha
A pele, por ter tempo visível
Despe-se mostrando as cores que já tivera
Mas continua janela como sempre fora
A madeira já não resiste ao vento e à chuva
Ainda lembro quando de noite a ouvia lutar contra eles
Protegia-me do frio da rua
Deixando-me ficar nos sonhos quentes
E já nem sei ao tempo que a deixei para trás
Mas quando a visito está na mesma
Semiaberta ao mundo da rua
Semicerrada às minha memórias
E nessa fresta escura que fica entre os dois espaços de tempo
Espreito-me pequenina
E vejo as pedras gastas da rua
As estrelas de outras tempos
Os dias e as noites com rosto
Foi janela de espera
Foi meia porta
Encosto
E hoje no mesmo sitio
Uma ave talvez cansada
Espera que chegue o dia
Fazendo da minha janela
A cama de um voo deposto

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Chá depois das 5...



Nunca gostei de chá!
Achava aquela água quente com ervas de cheiro, uma coisa meio sensaborona
De todas as ervas utilizadas para fazer chá, a única a quem ainda dava o beneficio da duvida
Era ao chá de Erva Luísa
Hoje, bebo aquela agua quente com algum prazer...
Primeiro a chávena quente, bem quente!
Que afago num gesto lento
Num aconchego de mãos na peça de loiça antiga
Depois o cheiro
Que inalo quase de olhos fechados
Deixando o vapor abrir, para além dos poros do rosto…a gaveta das memórias
Só depois o sabor
Doce…
Bebo como quem sabe que se aprende a gostar com o tempo
Principalmente se soubermos ter tempo para beber um chá…
Mas uma coisa não mudou
Continuo a saborear com outro paladar o chá de Erva Luísa..e a sorrir lembro…
Lembro de como achava incrível terem dado o nome da minha avó a uma árvore
Uma árvore que deu folhas
Folhas com que se fez chá
Chá que aprendi a gostar…com o tempo.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Cala-te


Dispo-te
Pouco a pouco
Com toque lento, suave e terno
Quero-te ver nu
Sem pudor
Dispo-te
Até que sintas frio e me peças que te cubra
Aguento o tempo com ânsia no olhar
Mas não te toco
Dispo-te até que te sintas mais leve
Seguro
Altivo
Vaidoso
Dispo-te até já não teres medo
E te deites por fim nas palavras que jazem no chão
E me chames para junto de ti
Fazendo amor com todas as palavras que te despi
Porque só despidos delas
Nos podemos tomar inteiros
Fazendo a cama das palavras nossas
Lençóis bordados de pano cru
Leito perfeito para nos lermos
Virgens de sentidos cobertos de significados
Nas núpcias antes consumadas
Em livros sagrados de palavras ilusórias
Que aprendemos a usar como capa pudica
Apenas porque não nos sabemos amar em corpos nus
Dispo-te
Até que fiques sem palavras

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Crónicas pouco lúcidas



Entre linhas na pauta desenhada
O ponto negro da nota falsificada
Copia o sinal que traz no peito desde sempre
Caminhos paralelos sustentam a gravidade do vácuo
Com base na teoria da queda do que não podemos ter
Na composição mais artística
A impossibilidade acontece como notas de música desafinadas
Ficando paulatinamente presa na ideia com molas de roupa intima
Que deixam secar o facto do erro
Em desacordo com a actualidade
Depois há a clave que pode definir o caminho
Embora limitado
Dá uma outra possibilidade à arte de compor
Mas sempre dentro das linhas paralelas
Sem curvas ou desníveis
Que deixem a tontura acontecer
Faz-se a obra
Deixando à criatividade do instrumentista
Bem como à qualidade das teclas
A interpretação dos factos sonoros
Que baseados em signos escritos
Podem ser bem diferentes dos destinos traçados à nascença da peça
Depois o gosto subjectivo
Que de palato menos limpo
Conduzem ao sonso ou insonso
Gozo individual
Mas é arte
Mesmo que ninguém a entenda
Haverá sempre alguém que aplaude de pé
Seja qual for a dor que o sustenta
Afunde a opinião generalizada do conceito do belo
E o ponto da questão está no âmago umbilical
Nunca se saberá de quem é filho
Mesmo depois do teste, que indicará uma percentagem elevada de droga de vida paterna
E alcoolismo pouco anónimo materno
Resta-lhe as células armazenadas em vidros
Resguardados da luz para que não possibilitem reflexos
Da outra coisa que é
Acabando por desfalecer
A criatura alucinada
Apenas por ter que ser
Ou por ter tido azar.
E a nota final na tecla negra
Soará antes dos sinos que chamam as almas crentes para a oração
Descansará em paz
Sem nunca saber se há vida para lá das linhas paralelas que sustentam o vácuo
Sempre com o ponto negro…como o sinal que traz no peito
A assinalar o fim
.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sacrifício


Tacteia-me a Derme com a ponta dos dedos em chama
Queima-me a capa que me sobeja e aperta
Soltando o envergonhado prazer que sinto
E a dor que se acumulou pela espera
Morde-me os lábios com a faca afiada da matança
Que escorra o sangue pelo chão de nós
Deixando cair as palavras decompostas
Num lago negro de duvidosas vidas
Entrega o corpo sagrando aos Deuses que nos esperam perfeitos
E na pedra escreve com as unhas o meu nome
Com todas as letras imperfeitas que me formam
Depois deita-te sobre mim inteiro
E enche-me do teu veneno puro
Que nos arda a alma por não aguentar com tanto fogo
E o corpo que se morra farto de sustento
Em espasmos num ritual profano
Damos início ao fim do mundo num dilúvio

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Linhas Cruzadas


Cruzavam-se todos os dias na linha do pensamento
A ausência sentida há anos
Juntou-os na mesma espera
E ela sorria cada vez que se imaginava nua nos sonhos dele
E ele sabia serem enormes as noites que passavam juntos na imaginação dela
Esperavam sempre o nascer do sol num amanhã qualquer
De mãos dadas e descalços
Envoltos numa névoa quente e nuns lençóis macios
E nem o silêncio que escutam juntos
Poderia ser o silencio dos outros
Eles sentiam a diferença da ausência do que não diziam e do que os outros calavam
As palavras que nunca foram ditas com convicção
Surgiam agora fluidas e firmes dentro de cada um
Eles iriam ter todo o tempo do amor perfeito
Todo aquele tempo que fica ali…
Num qualquer jardim ou nas nuvens
Cruzavam-se todos os dias na linha do pensamento
Mas um dia iriam ter um tempo sem fim
Mesmo que o tempo sem fim parecesse pouco.

Cruzavam-se todos os dias na linha do pensamento
Deitado num campo verde polvilhado de esperanças.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Caduca



Renascia em folhas soltas das árvores
Querendo ser o Outono onde se escreviam todos os poemas
Naquela terra em que os homens morrem com o tempo
Ninguém vencia a saudade das memorias
Apenas ela e o vento insistiam em não lembrar o antes
Ora brisa
Ora vendaval
Corriam para baixo e para cima despenteando os cabelos dos homens loucos
E sorriam, estes sorriem sempre
E não consta sentirem saudade seja do que for
Ela inventara-se em poema propositadamente para que fosse lida
Letra a letra
Cuidadosamente sentida nos versos mais breves
Apressadamente olhada nos mais longos
Nunca se tem tempo para os poemas maiores
E ela sabia-o
De certa forma esforçava-se a não ser mais do que aguentavam os homens
E com o vento passava as páginas antes que os olhares se movessem para longe
Não sentia saudade nem pressa
Apenas a vontade de ser poema escrito em folhas
Ousadia sua talvez
Mas sempre viveu nas margens da realidade
Como nota em rodapé de uma página em branco, onde tudo ainda pode acontecer
As paginas sem numero ordenavam-se pela lógica das estações
Mudando de cor caso chegassem as andorinhas
E em circulo confundiam a ordem natural da vida
Tocando-se
Misturando
Fecundando a terra e a alma dos homens
Dando ao poema a possibilidade eterna de se transformar


E quando ela chamava o vento, era pre…texto
Para dançar sem tempo na folhas que caem das árvores
Que se desfazem depois no chão
Enrugadas e secas
Mas que ao serem tocadas pela ponta dos dedos
Eram a visão maior dos que viviam às escuras
E tornavam-se terra
A mesma terra onde morrem os homens sem tempo para ler poemas
E onde nascem todas as árvores com folhas que morrem sem memória.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Drogas...



Já não vos quero mais
Se não se dão
Para que vos quero então?
Preciso do chocolate que se desfaz na boca lentamente
Do vinho que me deixa tonta
Do sal que me coloca em risco
Da cafeína a que não resisto
E do cigarro quem no fumo me atordoa
E se de vós nada posso ter disto..
Que se deixem morrer lentamente
Eu vou engordar a olhos vistos
Ter bebedeiras de ficar em coma sem sentidos
Ficar com a tensão no limite
E sem sono para que possa estar acordada
E envolta e fumo para não ver mais nada
E quando a morte anunciada
Surgir para me deixar inanimada
E eu morrer feliz
Livre
E saciada
Vou pensar que não perdi nada
Irei ser cremada
E com meu fumo vos envolver
Para nessa altura todos vós prender
No pensamento de gente manipulada
Que choram as almas abandonadas
E fazem do momento final dos outros
O único momento em que juram começar a SER.

Osmose..


Hoje sou toda amor
Em sorrisos
Nos silêncios
Especialmente na forma como não te falo do que falta
Tranquila
Serena na consciência das coisas boas que tenho
Ou sou
Hoje sou toda amor
No fumo do cigarro com que me mato
Por não poder ser como ele
Efémero na sensação de prazer
E desejar o próximo
Mas sinto-me toda amor hoje
Por conseguir sorrir com o teu riso
E mais logo, quando deixar vazio o copo de vinho
E o efeito do amor por osmose passe
Volte a sentir que me falta tudo o que sei fundamental
Para me sentir toda amor amanhã
Carpe Diem!

debaixo da cama...


Horas impróprias
Já noite escura
Os medos escondidos
Debaixo da cama
E eu descalça
Pé ante pé
Escondi-me com eles para ver como é
E rindo baixinho
Quase em surdina
Um monstro malvado chamo-me menina
Mão na mão
Ficámos parados
Olhos nos olhos
Já encantados
Demos um beijo enamorados
E logo depois
Pela manhã
Enfrento o dia meio zangada
E guardo o medo sem dizer nada
E quando a luz me cega os olhos
Espreito para dentro
Do bolso das calças
E lá do fundo
Um monstro sorri
E sem ninguém ver
Fico aninhada
Escondida no bolso
Sem medo de nada
Que venha a noite
Com a escuridão
Que desta vez abro o armário
Solto os meus monstros
Pelo quarto fora
No meio do escuro
E da confusão
Perco o meu medo
E a solidão
Invento canções
Jogamos às sombras
Rimos da vida
Que vivo escondida
Se alguém me chama
Fujo aflita
Debaixo da cama
Ninguém vem espreitar

E de nada vale chamarem-me Tonta
Daqui não saio
Venham-me buscar!

(ihihiihihihi ok vou dormir..já não se pode brincar...)

Jogo



Ao meu jeito..com aquilo que trago em mim e o que acabei de descobrir ao escrever...abri a porta, virei esta esquina..opções que nem sempre devem algo à sorte ou ao azar. Como num jogo que ao vermos as cartas que temos, sabendo o trunfo, usando o conhecimento das regras, as impostas e as nossas…só nos resta tentar descodificar o adversário e quiçá...dar a volta ao amor na vitória.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Vicio...


Em silencio deram as cartas
Sentiam a emoção do vicio do jogo
O coração controlado pela mente treinada, batia de forma inaudível aos outros
Só eles sentiam o peito a voar a cada batida
Acariciaram todas cartas como quem faz amor com a sorte
Demoravam o momento de cada jogada propositadamente
As cartas dadas desde o inicio, sorriam nas mãos
Todas as regras pareciam ter sido esquecidas
Só eles sabiam do acordo dito em surdina, na hora de baralhar o jogo
A cada investida de um trunfo jogado na mesa
Havia a espera tântrica de prolongar a desforra
Salivavam
Os olhos sorriam como que num orgasmo múltiplo
Esperam um pelo outro, cúmplices
O suor do rosto pinga, deixando marcas das cartas que desvendava a sorte
O tempo não foi marcado, saberiam a hora certa do fim, quando um dos dois deixa-se de dar
A audiência desistiu de assistir, vencidos pela certeza dos dois
Apostavaram em vão, pensaram…no empate não há vencedores
E quando menos esperavam
Já sem cartas à vista dos outros
Retirada de mangas doces e silvestres
O Às de copas aparece
Matando o Terno coração dos Dois.

Findara o jogo sem vitória
Mas guardarão para sempre a carta viciada do Amor…e a maçã deixou de ser o fruto do pecado

...


Escondia-se num sub-rés-do-chão da pele
Aninhada como ratazana de esgoto
Vivendo das sobras de si mesma
Dependente há uma eternidade
Doseava a saliva de beijos apaixonados
Em intravenosas picadas dolorosas
Tentara em desespero uma overdose
Mas sentia-se cada vez mais viva
Por debaixo da pele